domingo, 9 de setembro de 2007

Parecer encaminhado ao Chefe do DME-IM-UFRJ

Relator: Luis Paulo Vieira Braga
Assunto: Programa de Reestruturação e Expansão da UFRJ 2008-2012
Interessado: Departamento de Metodos Estatisticos



PARECER


CONSIDERAÇÕES INICIAIS

O objeto deste parecer é o anteprojeto elaborado pela Reitoria da UFRJ para a Reestruturação e Expansão da UFRJ no quinquênio 2008-2012 (1). O ante-projeto está dividido em dois grandes blocos: 1) exposição de motivos e 2) anteprojeto para discussão na comunidade da UFRJ. Considerando que a exposição de motivos também deva ser objeto de discussão, principio o relato por este bloco, para em seguida abordar as propostas concretas do segundo bloco.



1) EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS

A exposição de motivos está dividida em cinco seções.


APRESENTAÇÃO

O anteprojeto se baseia nos documentos: relatório da Comissão para Análise do PDE, constituída pelo Conselho Universitário (CONSUNI), e proposta de Plano Quinquenal de Desenvolvimento para a UFRJ (tentativa não completada de Plano de Desenvolvimento Institucional). O anteprojeto vai além do escopo do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) e do Decreto REUNI, ambos oriundos do governo federal e já amplamente divulgados.



INTRODUÇÃO

A Reitoria elenca duas ordens de problemas que pautam as discussões atuais sobre a instituição universidade em todo o mundo – a aceleração do desenvolvimento científico e tecnológico e a expansão da educação superior. Em relação à primeira questão ou desafio, a resposta que parece ser mais adequada, segundo a Reitoria, é a mudança do paradigma de multidisciplinaridade ou interdisciplinaridade para transdisciplinaridade.

A adesão a uma concepção filosófica pressupõe, em um regime democrático, o seu amplo conhecimento pela comunidade que vai se reger por seus princípios. Não é o caso da transdisciplinaridade na UFRJ, no entanto, a reformulação curricular pretendida para a partir de 2008 segue seus princípios. Não seria, portanto, urgente a divulgação dos princípios e das aplicações na educação, desta pretensa “corrente filosófica” ?

A segunda ordem de problemas diz respeito à suposta tendência de universalização do ensino superior no mundo, a partir da constatação que em muitos países (Quais ?) mais de 60% dos jovens com idade entre 18 e 24 anos têm acesso à esse grau de educação (Com quais características ?).

No Brasil menos de 45% dos jovens na faixa etária de 15 a 19 anos cursa o ensino médio, cerca da metade disso o conclui. No momento não há deficit de vagas no ensino superior brasileiro, a relativa incipiência de matrículas na universidade por faixa etária se deve ao gargalo do ensino médio. A pretendida meta de universalização do ensino superior só será possível se ela fôr alcançada no ensino médio, portanto, está se colocando um objetivo adiante de outro que deve precede-lo.

A materialização da resposta da Reitoria aos desafios enumerados deve-se dar ao longo de quatro eixos acadêmicos: expansão demográfica, fim do vestibular, reestruturação administrativa e reordenamento espacial do campus do Fundão para abrigar os transferidos de outros locais.

Na verdade quase tudo se resume à expansão de vagas para estudantes, pois para aceitar mais alunos, com ou sem qualificação, é preciso acabar com o vestibular que, de acordo com a Reitoria - seleciona renda e não competência. É um ato falho contraditório e perigoso de uma administração que pretende exatamente isto e não o contrário. Ou seja, beneficiar as famílias de baixa renda, aceitando seus filhos independentemente de estarem aptos ou não para o ensino superior. O aumento indiscriminado de vagas supõe necessárias mudanças nas disciplinas iniciais e nos critérios de aprovação. Dado ainda que algumas unidades e pelo menos um campus – o da Praia Vermelha - situam-se na zona Sul da cidade, nada mais coerente (pelo menos aparentemente) com o projeto popular, do que o seu deslocamento para a Ilha do Fundão, mais próxima dos bairros e comunidades populares. Ao privilegiar uma meta classista e discriminatória, a Reitoria se arrisca a negligenciar outra não menos importante - uma função de Estado – formar os necessários quadros para o país.



DIAGNÓSTICO

Procurando focalizar problemas mais específicos a Reitoria lista obstáculos ao desenvolvimento da UFRJ, alguns datando de décadas como é o caso do exercício pleno da autonomia (gestão dos recursos financeiros). Do ponto de vista da formação e cultura da universidade destaca o isolamento das unidades, a compartimentalização das carreiras profissionais, a suposta precocidade na escolha de uma carreira, o vestibular, a precária assistência estudantil, a burocracia e o isolamento inter-universidade e extra-universidade.


PRINCÍPIOS

Nesta seção são listados os princípios que o anteprojeto valoriza: Preservar o padrão internacional da produção, acumulação e disseminação do saber. Compromisso com o desenvolvimento social. Liberdade de cátedra e manifestação de pensamento. Subordinação da esfera administrativa à esfera acadêmica. Exercício da autonomia universitária. Gratuidade do ensino. Natureza pública das atividades da universidade. Transparência e publicidade das contas. Consolidação e ampliação da democracia institucional. Envolvimento com os níveis de ensino pré-universitário.

Os princípios e o bom senso são as qualidades mais bem distribuídas, ninguém admite não tê-los. Entre as intenções e a realidade há uma grande distância. As contas administrativas e financeiras atuais da UFRJ carecem de transparência. Mais do que nunca é necessária uma auditoria pública nas dívidas e nos contratos contraídos pela UFRJ. A crescente dívida de custeio, atualmente, cerca de 52 milhões de reais, vem sendo utilizada como moeda de troca nos debates sobre o REUNI, uma vez que novas verbas seriam liberadas pelo Governo Federal, caso aderíssemos ao programa (160 milhões de reais). Ou aceitamos, ou a universidade vai parar... Sem sabermos como esta dívida chegou até o ponto atual, fica difícil acreditar que depois de paga, não vá crescer novamente.





DIRETRIZES GERAIS

Nesta seção são delineadas as diretrizes a serem perseguidas pelo anteprojeto: Adequar as estruturas da UFRJ à transdisciplinaridade. Superar a fragmentação. Proporcionar novas modalidades de formação científica e profissional. Eliminar duplicações e redundâncias de instalações e equipamentos. Maior grau de comprometimento social. Extensão como um processo de dupla via.



2) ANTEPROJETO PARA DISCUSSÃO NA COMUNIDADE DA UFRJ

O anteprojeto propriamente dito está dividido em seis seções e dois anexos, o primeiro com a listagem de cursos novos, e o segundo com a lista de obras no Fundão e Praia Vermelha.



METAS PARA O ENSINO, A PESQUISA E A EXTENSÃO

A primeira seção está dividida em três subseções.



a) METAS RELACIONADAS AO ENSINO DE GRADUAÇÃO


Nesta subseção são elencadas as metas para o ensino de graduação: Aumento de vagas. Consolidação do Campus de Macaé. Uso de educação à distância. Redução da evasão. Fim do vestibular. Flexibilização curricular e redução da carga horária em sala de aula. Novos cursos. Mobilidade estudantil entre cursos e IFES

De metamorfose em metamorfose o que era para ser um projeto de expansão de vagas (aumento de 100%) e de redução de evasão(90% de aprovação), descambou num mirabolante projeto que inclui a reordenação espacial da UFRJ, a introdução maciça do ensino a distância, a padronização do ensino por grandes áreas e a implantação de cursos generalistas de curta duração. As afirmações de alguns dirigentes da UFRJ de que as metas do Decreto do REUNI não são importantes, não resistem aos fatos. Basta consultar o recentíssimo - Documento Elaborado pelo Grupo Assessor nomeado pela Portaria nº 552 SESu/MEC, de 25 de junho de 2007, em complemento ao art. 1º §2º do Decreto Presidencial nº 6.096, de 24 de abril de 2007 (2), para ver que as metas estão lá e de forma bem explícita !
Coerentemente com elas, a redução da carga horária de aulas, o uso de alternativas não presenciais de instrução, a oferta de cursos de curta duração, a utilização de tutores, compõem um quadro de instrução em massa para a oferta de cursos de curta duração de qualidade discutível ou previsivelmente inferior ou mesmo previamente deteriorada.



b) METAS RELACIONADAS AO ENSINO DE PÓS-GRADUAÇÃO E À PESQUISA

Nesta subseção são apresentadas as seguintes metas: Aumento do número de bolsas. Programas de tutoria. Qualificação e implantação de novos laboratórios. Indução de pesquisas em áreas estratégicas. As áreas selecionadas são: Química, Informática, Ciências Ambientais, Biotecnologia, Nanotecnologia e Gestão de Informação.

Além da óbvia expansão de matrículas de alunos de pós e sua utilização no ensino de graduação (sem nenhuma preparação pedagógica ou especial para isso). No tocante aos temas de pesquisa é flagrante a omissão dos temas em tecnologia nuclear e espacial!



c) METAS RELACIONADAS À EXTENSÃO E À PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS

As seguintes metas são expostas: Democratização da extensão universitária. Caráter acadêmico da extensão. Integração com políticas públicas. Oferta de cursos para professores da rede pública. Atividades com as comunidades vizinhas. Divulgação do conhecimento gerado na UFRJ. Ampliação dos serviços de saúde dos hospitais da UFRJ.

A omissão de itens relacionados às Fundações que atuam na UFRJ vendendo todo tipo de serviços e projetos é surpreendente, e nos faz duvidar do caráter popular que a Reitoria deseja dar à UFRJ. As caixas pretas das ditas Fundações de Apoio continuarão fechadas durante a vigência do REUNI. Sobre os serviços de saúde pública, por outro lado, paira a promessa (ou ameaça?) da implantação das Fundações Estatais.



REORDENAMENTO ESPACIAL

Alegando que a dispersão geográfica das unidades acadêmicas da UFRJ, que se encontram fora do Campus da Ilha do Fundão, contribue para a fragmentação das atividades acadêmicas, o anteprojeto defende a sua transferência para este Campus.

Esta meta, embora, genericamente válida, pode ter se tornado tardia. Em parte pelo seccionamento da Ilha do Fundão pelas instalações da PETROBRAS (obras aprovadas por iniciativa da atual Reitoria), em parte pelo caos do tráfego nas imediações e no interior mesmo da Cidade Universitária. A liberação das áreas nobres na Praia Vermelha e Centro da Cidade, atende ainda a um outro interesse, no mínimo, questionável– a possibilidade de celebrar novos convênios com empresas nestas áreas, gerando assim receitas adicionais ao caixa da UFRJ.


ESTRATÉGIAS PARA IMPLANTAÇÃO DO PROGRAMA DE REESTRUTURAÇÃO E EXPANSÃO

O plano de ação se desdobra em três módulos. No módulo 1(até 3 anos a partir do início do programa) serão implementadas propostas das unidades para aumento de vagas e criação de cursos, nove diretrizes balizam as ações, dentre elas: a geração de 3.400 novas vagas para alunos; a intensificação do ensino a distância; a implantação de dois novos campi (Macaé, Xerém) e a extinção do CEG-CEPEG com a criação de um conselho único para ensino, pesquisa e extensão (Seria um segundo CONSUNI?). No módulo 2 (até 4 anos a partir do início do programa) pretende-se implantar grandes ciclos básicos por Centro, oito diretrizes balizam este módulo, dentre elas: a criação de 1.500 novas vagas; fim do vestibular; redução da carga horária em sala de aula e intensificação do uso de novas tecnologias. No módulo 3 (até 4 anos a partir do início do programa) o objetivo é a implantação de cursos de conclusão rápida terminalidade breve, bacharelados interdisciplinares (BI) ou fábricas de diplomados, seis diretrizes balizam esta fase, dentre elas a geração de 2.000 novas vagas.

O módulo 1 é o que está mais avançado na UFRJ, no entanto, os projetos dos cursos não foram disponibilizados juntamente com o ante-projeto. No Anexo I consta apenas o nome do curso, a unidade responsável e o número de vagas... O módulo 2 representa uma transformação mais profunda com a introdução de grandes ciclos básicos e o módulo 3 a implantação de cursos de curta duração. Surpreendentemente os Módulos 2 e 3 não correponderam à prática das discussões no Centro. Pelo contrário, o Ciclo Básico da Escola Politécnica do CT só foi aprovado como mais uma opção, sem eliminar o atual vestibular por opção. No CCMN, a duras penas foi aprovado o Bacharelado em Ciências da Natureza. Quem questiona o BI vem sendo rotulado de "elitista". Mas, as universidades nasceram elitistas para formar, nas variadas áreas do saber (artística, científica, tecnológica), profissionais com qualificação destacada, capazes de gerir os grandes, médios e pequenos interesses dos diversos setores de uma nação. De forma não declarada, mas cada vez mais explícita, nas duas últimas décadas os gestores federais executaram projetos de incentivo ao aumento da produção de matérias-primas naturais para fins de exportação, visando produzir saldos na balança comercial e quitar dívidas antigas. Diante da oferta excessiva e crescente de mão-de-obra barata (ou desqualificada), incentivaram projetos educacionais para formação de tecnólogos e de modelos ralos de universidade para as massas. Os cursos de curta duração para diplomar "engenheiros operacionais", "tecnólogos" e "bacharéis interdisciplinares" nivelam para baixo os padrões educacionais do ensino superior no Brasil, que já adquiriu qualificações acadêmicas de excelência para desenvolver e executar projetos em diversas áreas do conhecimento. E em decorrência disso, predominará a reserva de domínio das altas tecnologias para os países do hemisfério norte. Além disso, será preservada nestas regiões a capacidade e o poder de agregar pensadores de grande intelectualidade e criatividade nos meandros dos raciocínios mais complexos, preservando-lhes, de fato, a postura de “Primeiro e Segundo Mundo”.

DIRETRIZES PARA O PLANO DE AMPLIAÇÃO DOS CORPOS DOCENTES E TÉCNICO-ADMINISTRATIVO

As diretrizes para este plano são: Priorizar a Dedicação Exclusiva. Limitar a 500 vagas o quantitativo necessário à expansão. Criar indicadores específicos para avaliar a relação professor-aluno. Banco de servidor-equivalente. Não incluir aposentadorias, falecimentos, demissões no quantitativo acima.

Um dos pressupostos do REUNI e dos projetos que dele derivam é que os recursos atuais são mal utilizados, comportando, portanto, uma expansão que aponta para a duplicação do quantitativo de alunos. Ao estabelecer o critério da DE, privilegia a recomposição dos quadros docentes ligados a pós-graduação, não detectando o progressivo esvaziamento dos quadros ligados a atividades profissionais. Em futuro breve teremos na UFRJ professores de engenharia que nunca construíram uma ponte, de médicos que jamais atenderam um paciente, professores de Direito que nunca advogaram, e assim por diante.




DIRETRIZES PARA O PLANO DE DIMENSIONAMENTO DOS GASTOS DE CUSTEIO

Centralização das despesas. Reforço do orçamento de custeio. Redução de despesas com energia, telefone, água e esgoto. Racionalização das despesas de manutenção, conservação e vigilância no Campus da Cidade Universitária.

Atualmente é mais fácil conhecer as despesas da USP do que da UFRJ, não há transparência nas contas da UFRJ. Por que na página da Reitoria não consta o orçamento detalhado nda universidade? O CONSUNI já discutiu abertamente alguma prestação de contas da gestão anterior?



DIRETRIZES PARA O PLANO DE INVESTIMENTOS

Investimentos em infra-estrutura. Uso compartilhado de recursos. Prioridade para obras relacionadas à expansão. Melhoria das vias de acesso e transporte público.

Os recursos previstos pelo governo Federal (Decreto 6069/07) para essa “reestruturação” e expansão: “até 20% do equivalente ao orçamento de cada IFES, exclusive o custo da folha de aposentados e pensionistas” são demasiadamente reduzidos, impedindo a expansão de fato universitária (daí a fórmula da graduação minimalista da Universidade Nova). Considerando o orçamento médio do MEC para as IFES (2003-2006), isso significaria cerca de R$ 1,2 bilhões para todas as 53 Universidades Federais. Apenas para indicar a ordem de grandeza desse montante, caso cada uma das universidades federais recebesse o mesmo montante, teríamos algo como R$ 22 milhões ao ano para cada instituição. Os recursos previstos não permitiriam cumprir as metas mantendo o imprescindível padrão de qualidade que a UFRJ tem assegurado em seus cursos, lembrando que com estes recursos as universidades terão de custear a infra-estrutura e as novas contratações de docentes (Dec. 6069/07, Art.3, inciso III). O MEC sequer assegura o montante de até 20%: “o atendimento do Plano de cada IFES é condicionado à capacidade orçamentária e operacional do MEC” (Dec. 6069/07, Art.3, §3o).




PARECER FINAL:

No universo competitivo da produção de CONHECIMENTO prevalece a convicção publish or perish! (publique ou morra!); no limiar de um novo CONTRATO SOCIAL a convicção é outra – debata ou morra!

Ou se discute em profundidade com a comunidade universitária em um amplo Congresso Interno do que estamos falando, ou os questionamentos, dificuldades operacionais e os impasses retornarão na forma pior em que podem se manifestar – o colapso prático e moral da UFRJ!

Neste sentido proponho que todos os seus pontos sejam esclarecidos, antes que se delibere sobre o projeto, incluindo-se, dentre eles, uma auditoria da dívida de custeio, dos contratos de cessão e aluguel feitos na Ilha do Fundão e daqueles planejados para a Praia Vermelha após a remoção das suas unidades acadêmicas.


1 http://www.ufrj.br/docs/20070708_universidade_necessaria-programa_de_reestruturacao_e_expansao_da_ufrj.pdf

2 http://portal.mec.gov.br/sesu/arquivos/pdf/diretrizesreuni.pdf