Toque de REUNIr
Antes mesmo do reinício (tardio) das aulas na graduação, os professores do Centro de Ciências Matemáticas e da Natureza receberam via e-mail uma convocação da administração superior para discutir a proposta do Bacharelado (Interdisciplinar) em Ciências Matemáticas e da Terra. O curso faz parte do pacote aprovado em 25 de outubro de 2007 pelo CONSUNI, denominado Programa de Reestruturação e Expansão da UFRJ (PRE). Devido às resistências manifestadas pelo corpo social da universidade, a referência formal ao REUNI(1) foi retirada do documento final. Pelo mesmo motivo foi proposto um alongamento do prazo de discussão dos módulos II e III do processo de reestruturação, a saber: ciclos básicos por centro e bacharelados interdisciplinares. Apesar disto, a proposta, originariamente, apresentada pela Decania do CCMN foi classificada como curso novo, sendo mantida no Módulo I do PRE que se encontra presentemente em fase de formalização. Apresentamos em seguida alguns pontos polêmicos da proposta os quais contradizem as metas almejadas com a sua eventual realização.
No PRE aprovado no CONSUNI o curso prometia criar até 2012, 310 vagas no turno diurno e 480 no turno noturno(Anexo I, Planilha Curso Novos de Natureza Interdisciplinar). No entanto, à página 13, do documento distribuído juntamente com o e-mail, os números são bem diferentes: 255 = 800 – 545 vagas no diurno e 425 = 650 – 225 no noturno. Para 2009 são previstas apenas 145 vagas novas no turno diurno.
Há controvérsia também nas metas qualitativas enunciadas à página 4, Este curso tem por objetivo formar profissionais, em nível superior, com uma sólida base conceitual e matemática nas áreas de ciências da Natureza, da Terra e da Matemática, capazes de aplicar e desenvolver as tecnologias necessárias à aplicação desses conhecimentos em sua vida, tanto profissional quanto pessoal. Examinando a grade curricular dos quatro primeiros períodos(2), constatamos que a profundidade do conteúdo está bem abaixo do que é praticado hoje nos cursos regulares do Centro. Embora o projeto permita, em tese, ao aluno migrar para um dos bacharelados tradicionais, a vaga não está garantida, pois depende de um índice descrito à página 13 que se baseia no número de disciplinas cursadas, no coeficiente de rendimento e no número de períodos cursados desde a entrada no curso (?). Caso o aluno não queira migrar, pode se candidatar, segundo os mesmos critérios, a obter uma habilitação específica (3) em mais um ano, ou ainda montar juntamente com o seu orientador, sujeito a aprovação do colegiado, uma grade de disciplinas que lhe garanta o ambicionado diploma. Ora, isto em nada se parece com o perfil objetivado no preâmbulo do documento. Ou alguém acredita que se possa formar em três anos um profissional com estas características ?
Os pressupostos educacionais do PRE passaram por várias metamorfoses ao longo dos embates no ano passado. A precocidade era um dos males a se combater. Aparentemente, a proposta apresentada vai na direção oposta – formar em três anos um profissional altamente especializado. Outro tema recorrente é o da interdisciplinariedade, que nos documentos da Reitoria já se chamou de transdisciplinariedade. Também aí reside um equívoco de concepção e uma incompatibilidade de implementação. Promover a interdisciplinariedade não é ensinar um pouco de tudo, mas, uma atitude, uma mentalidade. Em uma equipe interdisciplinar, mais do que nunca serão necessários matemáticos, físicos, químicos que possam dar respostas aos complexos problemas das áreas interdisciplinares. O desafio maior para a formação deste profissional e à sua atuação em ensino e pesquisa reside na atual estrutura organizacional das universidades federais, intocada em toda a discussão.
O PRE da UFRJ é conseqüência do REUNI, cujo objetivo principal é aumentar o número de formandos nas universidades públicas. Está mal formulado, como tantos outros projetos do governo federal nas áreas da educação, meio ambiente, infraestrutura, etc... E da mesma forma que em outros casos conhecidos, vem sendo imposto à comunidade universitária através da cooptação ou da chantagem. Aos mais volúveis, as mordomias que os cargos públicos não cessam de proporcionar. Aos que resistem, as ameaças e o ostracismo. Reproduz-se no interior das universidades o mesmo quadro de apropriação do estado pelos seus governantes, que por sua vez defendem interesses cada vez mais particulares, em detrimento de uma visão republicana em prol da coletividade.
A destruição do estado de direito vem se fazendo de forma distinta daquela que foi perpetrada pelo regime militar, mas se aproxima do mesmo resultado. A insensibilidade dos dirigentes diante dos equívocos que vêm sendo cometidos só encontra explicação no conformismo de uns, e no oportunismo de outros. Evidentemente, este retrocesso histórico vai colidir com as necessidades de um estado de direito moderno e democrático que a sociedade brasileira está a exigir.
(1)denominação do decreto presidencial que implantou a nível nacional a sistemática de reestruturação acadêmica das universidades federais.
(2) As cadeiras com (ead) serão ministradas a distância. As disciplinas de Inovação são palestras proferidas por especialistas em diferentes áreas. A composição de obrigatórias e optativas vai depender da habilitação específica almejada pelo aluno e isto já pode ocorrer a partir do segundo período.
(3) A aceitação também depende do índice já descrito. As habilitações mencionadas são: Análise de Suporte à Decisão, Física-Matemática e Sensoriamento Remoto.