quinta-feira, 23 de agosto de 2007

A experiência da UFABC e o REUNI


A experiência da UFABC e o REUNI

Nesta Quinta-feira última, dia 23 de Agosto, o Professor Luiz Bevilacqua, Reitor da Universidade Federal do ABC apresentou uma palestra sobre o projeto da universidade (http://www.ufabc.edu.br) e a sua situação atual. Iniciou sua exposição esclarecendo que o projeto de criação da UFABC antecede em muito o REUNI e o PDE, tendo sido aprovado no Congresso em 2004 e sancionado pelo Presidente da República em 2005. As deliberações iniciais sobre sua implementação evoluíram desde um novo campus da Universidade Federal Paulista, ou ainda uma nova universidade que seria tutorada, por um período, pela Universidade Federal de São Carlos, até a forma mais inovadora que está posta em prática.

A Universidade está organizada por Centros: Centro de Ciências Naturais e Humanas; Centro Matemática, Computação e Centro de Cognição e Engenharia, Modelagem e Ciências Sociais Aplicadas e não tem nem departamentos, nem unidades. As disciplinas, assim como os cursos e professores pertencem aos Centros. Há cursos de graduação e pós-graduação. Todo o aluno, após prestar vestibular, ingressa no ciclo básico do Centro de opção, logrando, caso seja aprovado, um bacharelado em Ciências ao final de três anos. A partir daí pode pleitear a entrada em um bacharelado profissional, em uma licenciatura, ou em curso de pós-graduação ou ainda ir para o mercado de trabalho.

A UFABC conta atualmente com 106 professores doutores e 1000 alunos de sua primeira turma, cujo número inicial era de 1500 alunos ! O professor Bevilacqua rejeitou os parâmetros do REUNI para a relação professor aluno, assim como a taxa de redução da evasão. A meta principal, segundo ele, é prover um ensino básico de qualidade e duradouro, preparando o aluno para cursos profissionais mais inovadores tais como – Engenharia Ambiental e Urbana, Aeroespacial, Bioengenharia, Gestão e também para uma carreira de pesquisador, a necessária elite para o país, segundo o Reitor da UFABC.

Na suas relações com a comunidade e a indústria, a UFABC vem preencher uma demanda por vagas no ensino superior atendida, até então, por instituições particulares. Houve resistências ao projeto inovador para os parâmetros da região – apontando para uma universidade profissionalizante. E, por parte das indústrias, nem sempre há receptividade ao perfil do profissional a ser formado – engenheiro com perfil de pesquisador, ao invés de um engenheiro de chão de fábrica.

A experiência em andamento é muito válida e demonstra pelos percalços encontrados que ainda passará por muitas reformulações. Demonstra também que não é por decreto que se deve alterar de uma hora para outra a estrutura vigente das atuais IFES. Os dirigentes da UFRJ – Reitor, Pró-Reitores, Decanos e Diretores tornam-se cúmplices de um projeto que é populista para os jovens e autoritário para os professores que não estão tendo sua voz ouvida. Ao impor um calendário estreito e um processo inviável de participação da comunidade universitária, nossos dirigentes estão se curvando à agenda política de um governo em desespero. Serão co-responsáveis pelo apagão das universidades federais.

segunda-feira, 20 de agosto de 2007

O Projeto da Reitoria para a reestruturação da UFRJ



O Projeto da Reitoria para a reestruturação da UFRJ
O PAC da UFRJ

Em Pasárgada tem tudo
É outra civilização
...
Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
...
Manoel Bandeira

Se houvesse de fato o desejo de facilitar a discussão, a Reitoria deveria ter suspenso as aulas por uma semana e promovido uma discussão mais abrangente sobre o projeto.

A Reitoria finalmente divulgou o seu plano de reestruturação e expansão da UFRJ que é baseado no relatório da Comissão do PDE e no Plano Diretor da UFRJ (ainda por ser aprovado no CONSUNI), além de outros documentos. Visando o seu envio ao MEC para disputar as verbas do REUNI, a Reitoria estabeleceu um apertado cronograma que ela própria está tendo dificuldades para cumprir. O texto deveria ter sido enviado até 31 de julho às unidades, mas isto não ocorreu. Durante o mês de Agosto deveriam estar acontecendo amplas discussões nas Unidades e Centros, porém isso também não tem sido a regra, até porque o semestre letivo já teve início e as aulas e demais atividades ocupam os professores e alunos quase integralmente, encontrando-se ainda os funcionários em movimento grevista. Se houvesse de fato o desejo de facilitar a discussão, a Reitoria deveria ter suspenso as aulas por uma semana e promovido uma discussão mais abrangente sobre o projeto. Considerando que o apoio ao relatório da Comissão do PDE passou principalmente pelas ações de diretores de Unidades e decanos de Centro fica difícil imaginar que os mesmos se empenhariam em promover debates que pudessem colocar em cheque as deliberações arrancadas das Congregações e Conselhos durante o meses de maio e junho passados. Tampouco a realização de apenas uma audiência pública em cada campus da UFRJ é suficiente para que a comunidade universitária se sinta esclarecida e posicionada sobre a magnitude e o teor das mudanças pretendidas.
De metamorfose em metamorfose o que era para ser um projeto de expansão de vagas e de redução de evasão, descambou num mirabolante projeto que inclui a reordenação espacial da UFRJ, a introdução maciça do ensino a distância, a padronização do ensino por grandes áreas e a implantação de cursos generalistas de curta duração.
De metamorfose em metamorfose o que era para ser um projeto de expansão de vagas e de redução de evasão, descambou num mirabolante projeto que inclui a reordenação espacial da UFRJ, a introdução maciça do ensino a distância, a padronização do ensino por grandes áreas e a implantação de cursos generalistas de curta duração. Tudo isso, supostamente em nome da universalização do ensino superior e da transdisciplinaridade que constituem os dois pilares do proselitismo favorável ao projeto.

Mais uma vez o poder das Instituições de Ensino Superior vai eclipsar as necessidades reais dos sistemas de ensino médio e básico.

A meta de universalização do ensino superior tem sido colocada como um dos motivos que validam a iniciativa da Reitoria, pois apenas 10% dos jovens brasileiros entre 18 e 24 anos têm acesso ao ensino superior, enquanto que em Cuba, por exemplo, mais de 50% dos jovens estão cursando a universidade. Ora, no Brasil menos de 45% dos jovens na faixa etária de 15 a 19 anos cursa o ensino médio, cerca da metade disso o conclui , enquanto que em Cuba mais de noventa por cento dos jovens nessa idade está cursando o ensino médio, tornando-se potencialmente aptos para acessar o ensino superior. E mesmo assim não é a totalidade dos estudantes cubanos que se dirige para as universidades. No momento não há deficit de vagas no ensino superior brasileiro, a relativa incipiência de matrículas se deve ao gargalo do ensino médio. Mais uma vez o poder das Instituições de Ensino Superior vai eclipsar as necessidades reais dos sistemas de ensino médio e básico.
"A transdisciplinaridade é uma nova abordagem científica e culural, uma nova forma de ver e entender a natureza, a vida e a humanidade."1
Mas a chave para se entender a fixação na universalização do ensino superior provém da adesão à corrente filosófica da transdisciplinaridade, fundada nos anos noventa pelo físico Basarab Nicolescu que estabeleceu uma profunda interlocução com Edgard Morin, famoso filósofo francês, associado à Fundação Orus que assessora o Ministério da Educação em seu esforço de reforma da universidade. "A transdisciplinaridade é uma nova abordagem científica e cultural, uma nova forma de ver e entender a natureza, a vida e a humanidade. Ela busca a unidade do conhecimento para encontrar um sentido para a existência do Universo, da vida e da espécie humana. Se a Ciência Moderna significou uma mudança radical no MODO DE PENSAR dos homens medievais, a transdisciplinaridade, hoje, sugere a superação da mentalidade fragmentária, incentivando conexões e criando uma visão contextualizada do conhecimento, da vida e do mundo. O predomínio da disciplinaridade aprofundou os conhecimentos específicos e deu condições ao desenvolvimento das ciências e ao progresso tecnológico que hoje desfrutamos. Mas se pensarmos no rumo da humanidade, conduzido pelas ciências disciplinares, perceberemos o seu aspecto desumano e a miopia do MODO DE PENSAR disciplinar. A história humana está repleta dessa miopia. Destacando os fenômenos mais marcantes, temos a bomba atômica e Auschwitz; mais recente, o 11 de setembro. A educação moderna não se ocupa de desenvolvimento integral dos jovens. Simplesmente prioriza a dimensão racional tratando de dotá-los do necessário para integrar-se e dar continuidade ao sistema. Mas a própria globalização vem indicando uma nova forma de educar os jovens, sugerindo o resgate dessa dimensão omitida ao longo da modernidade."1 A questão que se coloca nesse momento é – a adesão ou não a uma nova corrente filosófica que vai inspirar a reformulação do sistema de ensino superior na UFRJ e no Brasil. Dá para fazer isso até 15 de setembro ?

A questão que se coloca nesse momento é – a adesão ou não a uma nova "corrente filosófica", a transdisciplinaridade, que vai inspirar a reformulação do sistema de ensino superior na UFRJ e no Brasil. Dá para fazer isso até 15 de setembro ?

Os princípios e boas intenções são muito bem distribuídos, pois ninguém admite que os tenha de menos. Vamos portanto nos concentrar nas ações pretendidas pelo projeto. O plano de ação se desdobra em três módulos. No módulo 1(2008-2012) serão implementadas propostas das unidades para aumento de vagas e criação de cursos, nove diretrizes balizam as ações, dentre elas: a geração de 3.400 novas vagas para alunos; a intensificação do ensino a distância; a implantação de dois novos campi (Macaé, Xerém) e a extinção do CEG-CEPEG com a criação de um conselho único para ensino , pesquisa e extensão. No módulo 2 (2010-2012) pretende-se implantar grandes ciclos básicos por Centro, oito diretrizes balizam este módulo, dentre elas: a criação de 1.500 novas vagas; fim do vestibular; redução da carga horária em sala de aula e intensificação do uso de novas tecnologias. No módulo 3 (2012-2015) o objetivo é a implantação de cursos de terminalidade breve, seis diretrizes balizam esta fase, dentre elas a geração de 2.000 novas vagas. Durante a implantação do projeto, prevê-se ainda a contratação de 500 professores e o início do processo de transferência de todas as unidades acadêmicas para o campus da ilha do Fundão, supostamente, visando corrigir a fragmentação das atividades acadêmicas devidas à dispersão de algumas de suas unidades na cidade do Rio de Janeiro.

Crescimento não é sinônimo de desenvolvimento sustentável, a hipertrofia delineada ao longo das páginas do documento da Reitoria deixa transparecer o viés que, infelizmente, tem conduzido os homens públicos no Brasil, as realizações devem ser materiais e bem visíveis...

O famoso arquiteto Le Corbusier em suas andanças pelo Brasil formulou muitos projetos para o país, inclusive o de uma cidade futurística, que seus discípulos Niemeyer e Lúcio Costa transformariam em Brasília, e uma cidade universitária no Rio de Janeiro. Por mais visionário que fosse não previu que uma única empresa ocuparia ambos os lados de seu eixo principal – a Avenida Horacio Macedo, e muito menos os enormes engarrafamentos provocados pelo fluxo de seus usuários nas horas de pico. O projeto de integração total do Campus chega tardiamente, quando o mote é o da descentralização, facilitada pelos novos recursos de comunicação, a internet sem fio é um deles, que ainda não chegou ao Fundão. Muita gente junto não implica em transdisciplinaridade, a menos que os critérios reais sejam o da especulação imobiliária, que tanto degradou a cidade do Rio de Janeiro. Crescimento não é sinônimo de desenvolvimento sustentável, a hipertrofia delineada ao longo das páginas do documento da Reitoria deixa transparecer o viés que, infelizmente, tem conduzido os homens públicos no Brasil, as realizações devem ser materiais e bem visíveis...

O trabalho docente deixa de ter um caráter artesanal para se inserir em um processo de prestação de serviço em bases Tayloristas.

O processo de reestruturação e ampliação da UFRJ tal como parece estar estabelecido nos módulos apresentados visam o aumento da produtividade do trabalho docente medido em termos de alunos por professor, formandos por ano, e tudo isso por metro quadrado. É um processo edulcorado por dissipações filosóficas, mas assentado firmemente em bases economicistas, aliás como todo o PAC. O trabalho docente deixa de ter um caráter artesanal para se inserir em um processo de prestação de serviço em bases Tayloristas. Assim como a era industrial , por si só, não liberou o homem do trabalho, nem a era da informação liberou-o da alienação, a era das redes, tampouco, vai integrá-lo necessariamente. A reversão do processo de fragmentação que acomete a vida universitária não se dará pela superposição mágica de todas as especializações, como pressupõe a Transdisciplinaridade, mas pela revisão das relações de trabalho entre seus protagonistas, estas sim as verdadeiras responsáveis pela fragmentação da carreira docente e da vida no campus. O autoritarismo da Reitoria no encaminhamento do REUNI na UFRJ traduz-se no calendário estreito, nas deliberações impostas e até no toma-lá-da-cá em busca de apoio de grupos ou personalidades da academia. Embora nenhum fato histórico possa se repetir, nem verdadeiramente, nem como farsa, são inevitáveis as analogias com os equívocos de conteúdo e métodos de implantação da Reforma do MEC-USAID. Saiu USAID e entraram muitas outras siglas – ORUS, UNIVERSIA2, entre outras, mas o mote da expansão de vagas retorna, assim como a intensificação do processo de privatização. Tivemos recentemente no setor da aviação civil um exemplo evidente do que se pode atingir com a conjugação das forças do mercado, falta de transparência e respeito ao bem público. Os apagões se sucedem em diversas áreas, enquanto são anunciados em outras, os impositores do REUNI na UFRJ pelo menos liberam de um fardo a comunidade universitária – a da responsabilidade pelo seu perpetramento.

1Akiko Santos, O que é transdisciplinaridade, publicado no periódico Rural Semanal, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, I parte: na semana de 22/28 de agosto de 2005; II parte: na semana de 29/04 de setembro de 2005.
2UNIVERSIA é o nome da Fundação criada pelo Banco Santader para promover a integração das Universidades dos países Ibero-Americanos. USP, UNESP e UNICAMP já aderiram, e a reitora da USP integra seu Conselho Assessor Internacional.