segunda-feira, 20 de agosto de 2007

O Projeto da Reitoria para a reestruturação da UFRJ



O Projeto da Reitoria para a reestruturação da UFRJ
O PAC da UFRJ

Em Pasárgada tem tudo
É outra civilização
...
Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
...
Manoel Bandeira

Se houvesse de fato o desejo de facilitar a discussão, a Reitoria deveria ter suspenso as aulas por uma semana e promovido uma discussão mais abrangente sobre o projeto.

A Reitoria finalmente divulgou o seu plano de reestruturação e expansão da UFRJ que é baseado no relatório da Comissão do PDE e no Plano Diretor da UFRJ (ainda por ser aprovado no CONSUNI), além de outros documentos. Visando o seu envio ao MEC para disputar as verbas do REUNI, a Reitoria estabeleceu um apertado cronograma que ela própria está tendo dificuldades para cumprir. O texto deveria ter sido enviado até 31 de julho às unidades, mas isto não ocorreu. Durante o mês de Agosto deveriam estar acontecendo amplas discussões nas Unidades e Centros, porém isso também não tem sido a regra, até porque o semestre letivo já teve início e as aulas e demais atividades ocupam os professores e alunos quase integralmente, encontrando-se ainda os funcionários em movimento grevista. Se houvesse de fato o desejo de facilitar a discussão, a Reitoria deveria ter suspenso as aulas por uma semana e promovido uma discussão mais abrangente sobre o projeto. Considerando que o apoio ao relatório da Comissão do PDE passou principalmente pelas ações de diretores de Unidades e decanos de Centro fica difícil imaginar que os mesmos se empenhariam em promover debates que pudessem colocar em cheque as deliberações arrancadas das Congregações e Conselhos durante o meses de maio e junho passados. Tampouco a realização de apenas uma audiência pública em cada campus da UFRJ é suficiente para que a comunidade universitária se sinta esclarecida e posicionada sobre a magnitude e o teor das mudanças pretendidas.
De metamorfose em metamorfose o que era para ser um projeto de expansão de vagas e de redução de evasão, descambou num mirabolante projeto que inclui a reordenação espacial da UFRJ, a introdução maciça do ensino a distância, a padronização do ensino por grandes áreas e a implantação de cursos generalistas de curta duração.
De metamorfose em metamorfose o que era para ser um projeto de expansão de vagas e de redução de evasão, descambou num mirabolante projeto que inclui a reordenação espacial da UFRJ, a introdução maciça do ensino a distância, a padronização do ensino por grandes áreas e a implantação de cursos generalistas de curta duração. Tudo isso, supostamente em nome da universalização do ensino superior e da transdisciplinaridade que constituem os dois pilares do proselitismo favorável ao projeto.

Mais uma vez o poder das Instituições de Ensino Superior vai eclipsar as necessidades reais dos sistemas de ensino médio e básico.

A meta de universalização do ensino superior tem sido colocada como um dos motivos que validam a iniciativa da Reitoria, pois apenas 10% dos jovens brasileiros entre 18 e 24 anos têm acesso ao ensino superior, enquanto que em Cuba, por exemplo, mais de 50% dos jovens estão cursando a universidade. Ora, no Brasil menos de 45% dos jovens na faixa etária de 15 a 19 anos cursa o ensino médio, cerca da metade disso o conclui , enquanto que em Cuba mais de noventa por cento dos jovens nessa idade está cursando o ensino médio, tornando-se potencialmente aptos para acessar o ensino superior. E mesmo assim não é a totalidade dos estudantes cubanos que se dirige para as universidades. No momento não há deficit de vagas no ensino superior brasileiro, a relativa incipiência de matrículas se deve ao gargalo do ensino médio. Mais uma vez o poder das Instituições de Ensino Superior vai eclipsar as necessidades reais dos sistemas de ensino médio e básico.
"A transdisciplinaridade é uma nova abordagem científica e culural, uma nova forma de ver e entender a natureza, a vida e a humanidade."1
Mas a chave para se entender a fixação na universalização do ensino superior provém da adesão à corrente filosófica da transdisciplinaridade, fundada nos anos noventa pelo físico Basarab Nicolescu que estabeleceu uma profunda interlocução com Edgard Morin, famoso filósofo francês, associado à Fundação Orus que assessora o Ministério da Educação em seu esforço de reforma da universidade. "A transdisciplinaridade é uma nova abordagem científica e cultural, uma nova forma de ver e entender a natureza, a vida e a humanidade. Ela busca a unidade do conhecimento para encontrar um sentido para a existência do Universo, da vida e da espécie humana. Se a Ciência Moderna significou uma mudança radical no MODO DE PENSAR dos homens medievais, a transdisciplinaridade, hoje, sugere a superação da mentalidade fragmentária, incentivando conexões e criando uma visão contextualizada do conhecimento, da vida e do mundo. O predomínio da disciplinaridade aprofundou os conhecimentos específicos e deu condições ao desenvolvimento das ciências e ao progresso tecnológico que hoje desfrutamos. Mas se pensarmos no rumo da humanidade, conduzido pelas ciências disciplinares, perceberemos o seu aspecto desumano e a miopia do MODO DE PENSAR disciplinar. A história humana está repleta dessa miopia. Destacando os fenômenos mais marcantes, temos a bomba atômica e Auschwitz; mais recente, o 11 de setembro. A educação moderna não se ocupa de desenvolvimento integral dos jovens. Simplesmente prioriza a dimensão racional tratando de dotá-los do necessário para integrar-se e dar continuidade ao sistema. Mas a própria globalização vem indicando uma nova forma de educar os jovens, sugerindo o resgate dessa dimensão omitida ao longo da modernidade."1 A questão que se coloca nesse momento é – a adesão ou não a uma nova corrente filosófica que vai inspirar a reformulação do sistema de ensino superior na UFRJ e no Brasil. Dá para fazer isso até 15 de setembro ?

A questão que se coloca nesse momento é – a adesão ou não a uma nova "corrente filosófica", a transdisciplinaridade, que vai inspirar a reformulação do sistema de ensino superior na UFRJ e no Brasil. Dá para fazer isso até 15 de setembro ?

Os princípios e boas intenções são muito bem distribuídos, pois ninguém admite que os tenha de menos. Vamos portanto nos concentrar nas ações pretendidas pelo projeto. O plano de ação se desdobra em três módulos. No módulo 1(2008-2012) serão implementadas propostas das unidades para aumento de vagas e criação de cursos, nove diretrizes balizam as ações, dentre elas: a geração de 3.400 novas vagas para alunos; a intensificação do ensino a distância; a implantação de dois novos campi (Macaé, Xerém) e a extinção do CEG-CEPEG com a criação de um conselho único para ensino , pesquisa e extensão. No módulo 2 (2010-2012) pretende-se implantar grandes ciclos básicos por Centro, oito diretrizes balizam este módulo, dentre elas: a criação de 1.500 novas vagas; fim do vestibular; redução da carga horária em sala de aula e intensificação do uso de novas tecnologias. No módulo 3 (2012-2015) o objetivo é a implantação de cursos de terminalidade breve, seis diretrizes balizam esta fase, dentre elas a geração de 2.000 novas vagas. Durante a implantação do projeto, prevê-se ainda a contratação de 500 professores e o início do processo de transferência de todas as unidades acadêmicas para o campus da ilha do Fundão, supostamente, visando corrigir a fragmentação das atividades acadêmicas devidas à dispersão de algumas de suas unidades na cidade do Rio de Janeiro.

Crescimento não é sinônimo de desenvolvimento sustentável, a hipertrofia delineada ao longo das páginas do documento da Reitoria deixa transparecer o viés que, infelizmente, tem conduzido os homens públicos no Brasil, as realizações devem ser materiais e bem visíveis...

O famoso arquiteto Le Corbusier em suas andanças pelo Brasil formulou muitos projetos para o país, inclusive o de uma cidade futurística, que seus discípulos Niemeyer e Lúcio Costa transformariam em Brasília, e uma cidade universitária no Rio de Janeiro. Por mais visionário que fosse não previu que uma única empresa ocuparia ambos os lados de seu eixo principal – a Avenida Horacio Macedo, e muito menos os enormes engarrafamentos provocados pelo fluxo de seus usuários nas horas de pico. O projeto de integração total do Campus chega tardiamente, quando o mote é o da descentralização, facilitada pelos novos recursos de comunicação, a internet sem fio é um deles, que ainda não chegou ao Fundão. Muita gente junto não implica em transdisciplinaridade, a menos que os critérios reais sejam o da especulação imobiliária, que tanto degradou a cidade do Rio de Janeiro. Crescimento não é sinônimo de desenvolvimento sustentável, a hipertrofia delineada ao longo das páginas do documento da Reitoria deixa transparecer o viés que, infelizmente, tem conduzido os homens públicos no Brasil, as realizações devem ser materiais e bem visíveis...

O trabalho docente deixa de ter um caráter artesanal para se inserir em um processo de prestação de serviço em bases Tayloristas.

O processo de reestruturação e ampliação da UFRJ tal como parece estar estabelecido nos módulos apresentados visam o aumento da produtividade do trabalho docente medido em termos de alunos por professor, formandos por ano, e tudo isso por metro quadrado. É um processo edulcorado por dissipações filosóficas, mas assentado firmemente em bases economicistas, aliás como todo o PAC. O trabalho docente deixa de ter um caráter artesanal para se inserir em um processo de prestação de serviço em bases Tayloristas. Assim como a era industrial , por si só, não liberou o homem do trabalho, nem a era da informação liberou-o da alienação, a era das redes, tampouco, vai integrá-lo necessariamente. A reversão do processo de fragmentação que acomete a vida universitária não se dará pela superposição mágica de todas as especializações, como pressupõe a Transdisciplinaridade, mas pela revisão das relações de trabalho entre seus protagonistas, estas sim as verdadeiras responsáveis pela fragmentação da carreira docente e da vida no campus. O autoritarismo da Reitoria no encaminhamento do REUNI na UFRJ traduz-se no calendário estreito, nas deliberações impostas e até no toma-lá-da-cá em busca de apoio de grupos ou personalidades da academia. Embora nenhum fato histórico possa se repetir, nem verdadeiramente, nem como farsa, são inevitáveis as analogias com os equívocos de conteúdo e métodos de implantação da Reforma do MEC-USAID. Saiu USAID e entraram muitas outras siglas – ORUS, UNIVERSIA2, entre outras, mas o mote da expansão de vagas retorna, assim como a intensificação do processo de privatização. Tivemos recentemente no setor da aviação civil um exemplo evidente do que se pode atingir com a conjugação das forças do mercado, falta de transparência e respeito ao bem público. Os apagões se sucedem em diversas áreas, enquanto são anunciados em outras, os impositores do REUNI na UFRJ pelo menos liberam de um fardo a comunidade universitária – a da responsabilidade pelo seu perpetramento.

1Akiko Santos, O que é transdisciplinaridade, publicado no periódico Rural Semanal, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, I parte: na semana de 22/28 de agosto de 2005; II parte: na semana de 29/04 de setembro de 2005.
2UNIVERSIA é o nome da Fundação criada pelo Banco Santader para promover a integração das Universidades dos países Ibero-Americanos. USP, UNESP e UNICAMP já aderiram, e a reitora da USP integra seu Conselho Assessor Internacional.

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