segunda-feira, 19 de maio de 2008

Neopeleguismo Sindical e Movimento Docente nas IFES


Neopeleguismo Sindical e Movimento Docente nas IFES*

Leandro Nogueira (EEFD-UFRJ)
Luis Paulo Vieira Braga (IM-UFRJ)

O cenário é indiscutível e o veredicto é consensual, tanto para as bases do pensamento à direita, como da esquerda democráticas: a CUT e a Força Sindical, em missão conjunta para integrarem política e financeiramente o aparato estatal, inovaram o peleguismo arbitrado pela Era Vargas, protagonizando o mais explícito neopeleguismo. E o fizeram como "nunca antes na história desse país", segundo os sociólogos Ricardo Antunes, professor da Unicamp, e Demétrio Magnoli, colunista de O Globo.

No começo, o argumento era o da luta pela legalização das centrais sindicais. Mas com a sanção pela Câmara Federal, em março último, do Projeto de Lei 1.990/07, a lacuna da legalidade, que diga-se de passagem, jamais impediu a existência da CUT ou da Força como entidades gerais de representação dos trabalhadores, foi preenchida com um belo pacote, contendo a conversão do imposto sindical para o status de contribuição negocial, e a confirmação da unicidade sindical.

Em uma única e sorrateira tacada, essa "modernização" dos fundamentos da legislação sindical varguista, consagrou uma casta de sindicalistas completamente apartada dos trabalhadores, na mesma medida em que foi suprimido o direito à liberdade sindical, consagrado pelo Art. 23 da Declaração Universal dos Direitos Humanos e ratificado pela Convenção 87 da OIT.

Com a "contribuição negocial" a CUT e a Força passam a não mais necessitar da cotização dos trabalhadores associados, adverte o Prof. Antunes, já que serão patrocinadas pela legislação lulista, com 10% do valor das contribuições sindicais.
Por baixo, o presente lulista permitirá que os neopelegos abocanhem anualmente mais de R$ 100 milhões, lembra o colunista Magnoli, e sem qualquer prestação ao Tribunal de Contas da União, de acordo com a Lei 11.648, editada na sequência da sanção presidencial ao PL 1.990/07.

Além desse privilégio a fundo perdido, a CUT e a Força preservaram também a "reserva de mercado" por meio da unicidade sindical, princípio que obriga todos os trabalhadores a pagarem tributos para o sindicato local e único por base territorial. Os dirigentes da CUT e da Força alegam que ambas as centrais têm compromisso com o fim do imposto sindical, e que a criação da contribuição negocial coletiva, a ser aprovada em assembléia, beneficiará os sindicatos sérios e representativos, combatendo-se assim, os chamados sindicatos-fantasma.

Noves fora o fato de que o fim do imposto sindical ainda não foi decretado, nem a CUT ou a Força debatem o fim da unicidade sindical, ou informam que a nova contribuição pode superar o confisco anual limitado a 3,3% de um salário mensal, com a perspectiva de até ultrapassar 13% desses mesmos vencimentos.
Na prática, enquanto se perpetra a eliminação dos sindicatos-fantasmas, o novo instrumento de contribuição compulsória e garantido pelo Estado, visa asssegurar em bases ainda mais vantajosas a reserva de mercado sindical.

Este neopeleguismo é especialmente favorável ao governo Lula, que assim pode controlar melhor os movimentos reivindicatórios dos trabalhadores e aposentados, conduzindo-nos a passos largos. para a sociedade dos empregos de baixa qualidade e das aposentadorias mínimas, com uma rede pública de proteção social cada vez mais deficiente, não obstante sejam propagadas as maravilhas do "crescimento sustentado" da economia.

O quadro é especialmente deletério para a afirmação das políticas públicas que visam a promoção dos direitos de cidadania como educação e saúde, com os trabalhadores desses setores sofrendo com a agudização das perdas salariais e das condições de trabalho necessárias para a oferta do atendimento de qualidade à população.

Por outro lado, se os trabalhadores do país vão servindo como massa de manobra para a CUT e a Força, muitos professores nas IFES incorrem em grave equívoco, ao acreditarem que a questão do neopeleguismo sindical nem de longe lhes diz respeito.

Sem embargo, ironicamente, os neopelegos estão fazendo escola entre nós, a partir da ligação íntima que se verifica entre a CUT e a entidade conhecida como PROIFES, surgida há alguns anos, supostamente como alternativa de luta pela valorização da universidade pública.

Em verdade, a gênese do PROIFES remonta a um período recente na história do movimento docente das IFES, quando dissidências de colegas petistas e demais apoiadores do lulismo, passaram a marcar presença em assembléias docentes, na UFRJ inclusive, pela defesa obstinada das propostas governistas, ainda que elas fossem deletérias para as universidades públicas federais, ou mesmo implicassem na retirada de direitos e na desvalorização dos professores universitários.

No princípio, essa militância geradora do PROIFES visou desqualificar e obstruir as greves dos professores das IFES em 2003, apesar da notória recusa governista em negociar reajustes que gradualmente reparassem as nossas perdas salariais. Em seguida. passaram a defender resolutamente a Reforma da Previdência, sancionada pelo governo federal naquele mesmo ano, através da famigerada PEC-40, que extinguiu a aposentadoria integral dos novos servidores públicos, instituiu o confisco compulsório dos inativos, e ainda impôs novas perdas para os trabalhadores da iniciativa privada, numa autêntica negociata, como bem definiu à época, a filósofa Marilena Chauí, da USP.

Mas a pré-história do PROIFES, justiça seja feita, ainda registra o apoio incondicional de seus militantes à Contra-Reforma Universitária de Lula da Silva, cuja primeira fase pariu o PROUNI, o esquema de utilização de verbas públicas e renúncia fiscal, para o preenchimento de "vagas ociosas" em instituições privadas do ensino superior, apesar do inaceitável nível de subfinanciamento das IFES.

Diante da prestação de serviços tão relevantes, essa militância foi então reconhecida pelo governo em 2004, com a criação do PROIFES, após decisão tirada de uma reunião ocorrida nas salas do MEC, que segundo o filósofo Roberto Romano, da Unicamp, teria sido chancelada pelo Sr. Jairo Jorge, então Secretário Executivo do ministério.

Desde então, como organismo paralelo (e governista) de representação docente nas IFES, o PROIFES tem insistido na desqualificação do movimento docente vinculado ao ANDES-SN, mesmo após a greve de 2005, que resultou entre outros efeitos, na obtenção do nosso último reajuste salarial, na criação da classe de associado, além dos aumentos de 50% no incentivo de titulação para a carreira de ensino superior, e de 90 para 115 pontos na GED para os aposentados.

Além disso, o PROIFES tem apoiado em todo o país a implantação do REUNI, o decreto que estabelece a aprovação automática nas IFES, num simulacro de ensino superior que visa graduar sem formar, enquanto precariza, intensifica e desvaloriza o trabalho docente, com (sub) financiamento não garantido, e ainda por cima mediado pela chantagem orçamentária do governo.

Apesar desta lamentável trajetória, os dirigentes do PROIFES ainda se auto-proclamaram negociadores vitoriosos por um acordo de reajuste salarial, cujas tratativas foram encerradas pelos representantes do próprio governo, em 10/12/2007, após estes divulgarem proposta que não contemplava as reivindicações aprovadas pela base majoritária do movimento docente nas IFES.

E, em 22/04 último, como os reajustes constantes nas tabelas impostas pelo governo, e previstos para vigorarem a partir de 01/03/2008, ainda não haviam dado o ar da graça em nossos surrados contracheques, o doutor-presidente do PROIFES, resolveu "cobrar" do governo, mais precisamente dos secretários do MPOG e do MEC, através de carta com cópia aos parlamentares do Congresso Nacional, que a tal "negociação vitoriosa" fosse implementada com urgência, por meio de Medida Provisória. Segundo ele, estaria "se instalando no professorado um clima de crescente perplexidade e, inclusive, de descrença em relação ao pronto cumprimento daquilo que foi pactuado".

E, em pleno mês de maio, logo após o Dia das Mães, as egrégias autoridades do governo, quiçá sensibilizadas por tal apelo, resolveram incluir os docentes das IFES e do Ensino Básico Federal, em nada menos que duas MPs, nº 430 e 431, publicadas no DOU, edição extra do dia 14/05, concedendo reajustes salariais, também para os demais servidores do Executivo Federal, da Polícia Federal, do Desenvolvimento Agrário, da Previdência, da Saúde e do Trabalho, da fiscalização do Ministério da Agricultura, da Polícia Rodoviária Federal, do Denasus e das Forças Armadas.

Mas sobre o que foi pactuado e exaltado como "grande vitória" pelos negociadores do PROIFES, é bom lembrar, por exemplo, que com o tal "acordo", os vencimentos de um "privilegiado" Professor Doutor 40H, Adjunto I, hoje no valor de R$ 3581,08, passarão inicialmente para R$ 4300,00. No sexto ano da Era Lula, trata-se de um valor ainda muito aquém dos vencimentos de R$ 5084,00, percebidos já em 2007, por um Policial Rodoviário Federal em início de carreira, de quem é exigida apenas a formação de ensino médio, para o cumprimento de uma carga de 40 horas semanais de trabalho, em regime de escala de revezamento.

Não obstante a necessidade da justa remuneração do Policial Rodoviário Federal, é mister que não seja ignorada a evidente e inaceitável desvalorização dos professores nas IFES. Além disso, não será em comunhão com o neopeleguismo, que conseguiremos reverter essa situação que o PROIFES considera "vitoriosa".

A bem da História, não dá nem para chamar de "vitória de Pirro", o tal "acordo" do PROIFES. O rei do Épiro, como se sabe, jamais se deixou iludir, mesmo após o épico triunfo em uma batalha contra os romanos.

O PROIFES, ao contrário, mesmo desprestigiado , mostra-se muito satisfeito com o tal "acordo", em verdade, uma clara imposição governista. Seus membros consideram-se hábeis negociadores, quando distantes disso, são apenas subservientes às decisões tomadas pelos gabinetes ministeriais, que como se sabe, invariavelmente postergam a substantiva recuperação de nossas perdas salariais.

* Contribuiram na revisão do texto os professores: Cláudio Bornstein (COPPE-UFRJ), José Henrique Erthal Sanglard (POLI-UFRJ) e Abraham Zakon(Escola de Química - UFRJ).

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