LICENCIATURAS EM TRÊS ANOS: UMA EXCRESCÊNCIA(*)
Clóvis Pereira da Silva[i]
O Governo Federal continua com o firme propósito de transformar em sucata o Sistema Nacional de Graduação - SNG. Seus atos neste sentido são divulgados diariamente pela imprensa, e se referem a sucateamento das universidades federais via redução de verbas para a manutenção das mesmas, via pagamento de salários aviltados aos docentes e aos técnicos – administrativos dessas instituições, via autorização desordenada para criação de novos cursos de graduação por parte de Instituições de Ensino Superior privadas. Para evitar o caos no SNG é necessário que a parte esclarecida da sociedade reaja de forma veemente. O futuro de nossa nação será moldado por nossas reações.
Nosso particular interesse está voltado para a oferta por Instituições de Ensino Superior - IES privadas dos cursos de licenciaturas em Matemática em três anos, excrescência que foi aprovada em 2002 pelo Conselho Nacional de Educação – CNE (cf. Resolução CNE/CP n° 2, de 19 de fevereiro de 2002).
A parte esclarecida da sociedade precisa fazer a si mesma a seguinte pergunta: como ficará o Brasil no competitivo contexto mundial com a oferta de cursos de licenciaturas em três anos e de má qualidade? Lembramos que estes são cursos formadores de professores do ensino básico (professores de matemática, física, química, história, geografia, língua portuguesa, etc.).
Será esta uma estratégia idealizada pelo Banco Mundial para assegurar nossa inserção no mundo capitalista globalizado como nação periférica, exportadora de recursos naturais, de produtos agrícolas e de mão – de - obra barata, e dependente ad infinitum da importação de ciência e tecnologia de ponta? Este atual estado de coisas interessa a quem? Certamente que não interessa à nação brasileira.
Segundo informações contidas no Informativo nº 136 do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira-INEP, órgão do MEC, de 24/5/2006, o país tinha 2.381 IES. Desse total as IES privadas correspondiam a 89,83%. As 10,17% restantes eram IES públicas. Este é um número assustador tendo em vista a má qualidade dos cursos de licenciaturas, em particular, licenciaturas em Matemática, ofertados pela grande maioria dessas instituições privadas. Chamamos a atenção do leitor para observar a quantidade de jovens brasileiros que estão tendo uma formação de graduação de baixa qualidade. Este é um problema gravíssimo.
A educação do brasileiro não pode ser tratada como um grande e lucrativo negócio que desperta o interesse de grupos privados nacionais e estrangeiros. Sabemos que a venda de serviços da educação superior afasta a universidade do estudo do rigor teórico, da vigilância epistemológica e das soluções dos problemas nacionais.
A excelência da educação escolar da nação com conseqüente formação de seus líderes é um dos itens da soberania nacional[ii]. Um bom e inteligente sistema educacional deve ser uma prioridade para a nação. A qualidade de vida dos brasileiros no presente e no futuro, sua inserção no mundo capitalista globalizado serão determinados pela qualidade da educação escolar do país. A sociedade brasileira deve repassar esses princípios às autoridades responsáveis pelas coisas da educação.
O Brasil não pode esperar outros quinhentos anos para ser criado um Sistema Nacional de Ensino de boa qualidade. O momento é agora. A respeito da boa qualidade da educação nacional vejamos o que nos informa (BARROS, 1986, p. 207)[iii].
A educação como observa Tito Lívio de Castro, é, por excelência, o fator mesológico mutável, entre outros fatores imutáveis: dela, por conseguinte, é que temos de esperar tudo. É a alta cultura, especialmente de índole científica, que produz a prosperidade material, que pode enriquecer o país, torná-lo saudável e feliz. Para que a tenhamos, é preciso difundir as “luzes” por todas as classes sociais, espalhar o ensino primário, estabelecer o ensino secundário, criar o ensino técnico, especialmente o profissional e o agrícola. Mas, antes e acima de tudo, é preciso reformar o ensino superior, torná-lo sólido e eficaz, porque sem ele será vã qualquer outra tarefa. Sem uma elite intelectual bem preparada, como esperar a ilustração do povo? (...) Assim, se se quer um povo ilustrado, é preciso, primeiro, que se constitua uma elite verdadeiramente ilustre: que, democraticamente, do seio do próprio povo, saiam os seus guias, mas que essa posição de liderança seja conferida pelo saber e pela ciência. Ora, é exatamente o ensino superior que terá de formar esses guias, esses “ilustrados” a quem cabe acelerar a marcha histórica do país, a quem compete conduzi-lo à meta que a ciência e a indústria apontam como a era feliz da humanidade...
O atual SNG está estruturado para não garantir um avanço significativo da educação escolar brasileira; não está estruturado para fazer a inclusão social dos excluídos. Seu modelo tende a aprofundar o fosso social existente atualmente entre a minoria incluída e a maioria excluída da sociedade do conhecimento. O incentivo à massificação da oferta de cursos de graduação (aí incluídos os cursos de licenciaturas) de má qualidade é uma insensatez. É um produto de gestores incompetentes.
A nação brasileira precisa decidir se quer para si um modelo de universidade que seja capaz de inserir o Brasil na intensa competição internacional do mundo atual. Desejamos a universidade brasileira como sendo uma instituição moderna que possa contribuir para nos retirar da triste e vergonhosa condição de país exportador de cérebros, de matéria prima, e país dependente da ciência e da tecnologia desenvolvidas por outros países.
Sabemos que o futuro de nossa nação está intimamente ligado à qualidade da formação de suas elites intelectuais.
Assim que a Resolução CNE/CP n° 2, de 19 de fevereiro de 2002, foi publicada a imprensa nacional divulgou notícias de que os proprietários das IES privadas afirmavam que a inadimplência dos alunos em suas instituições ocorria a partir do segundo ano do curso.
Logo, inferimos que reduzir as licenciaturas para três anos funcionaria como a solução perfeita para reduzir a inadimplência de alunos clientes, assim como para atrair novos alunos. E quanto à qualidade dos cursos de licenciaturas a serem integralizados em três anos? Por que o CNE e o Ministro da Educação não acataram as informações de alerta, e os protestos contra as licenciaturas em três anos apresentados pela sociedade organizada, via sociedades científicas? Os gestores da educação brasileira foram alertados sobre os danos irreversíveis que causariam à formação de professores a aprovação da referida Resolução. Qual o propósito dos membros do CNE quando aprovaram a Resolução acima citada?
A partir do segundo semestre de 2002 várias IES privadas sediadas em diversas cidades brasileiras passaram a ofertar cursos de licenciaturas, inclusive em Matemática, em três anos letivos e funcionando apenas no período noturno. Principal objetivo dos proprietários dessas IES privadas: atrair a maior quantidade possível de alunos com a oferta de cursos de formação de professores em três anos. Sabemos que o processo “seletivo” para ingresso de alunos nas IES privadas é uma grande farsa. A imprensa nacional já divulgou, por exemplo, o caso de um analfabeto que havia sido aprovado em “processo de seleção” para um curso de Direito de uma determinada IES privada.
Para serem ofertados novos cursos de licenciaturas em Matemática em três anos, as grades curriculares desses mesmos cursos que eram ofertados em quatro anos tiveram que ser reduzidas. Várias disciplinas pertencentes a grandes áreas do conhecimento como: Álgebra, Geometria, Análise Matemática, Estatística, Física, História e Fundamentos da Matemática, Formação Pedagógica, contendo conceitos básicos da Matemática, e indispensáveis à boa formação do licenciado em Matemática foram suprimidas, criando-se assim verdadeiras grades monstros curriculares que passaram a graduar néscios numéricos, os novos licenciados em Matemática, que serão os professores das novas gerações de brasileiros analfabetos numéricos. Lembremo-nos do desempenho dos estudantes brasileiros nas diversas versões do Programa Internacional de Avaliação de Alunos – PISA, que aborda as áreas: Ciência, Leitura, Matemática.
Os cursos de licenciatura em Matemática de três anos são ofertados pelas IES privadas no período noturno. Em geral, os alunos de cursos noturnos precisam trabalhar durante o dia, inclusive aos sábados, para pagar a mensalidade do curso e para se manterem. Apresenta-se aqui um dos problemas do sistema. O aluno não tem tempo para estudar corretamente, nem para realizar as poucas e reduzidas tarefas escolares exigidas pelos professores do curso. A trapaça nos exames das disciplinas desses cursos chega a ser considerada um direito do aluno. Como aprender Matemática sem ter tempo para se dedicar aos estudos necessários, sem ter tempo para freqüentar bibliotecas (supondo que as IES privadas possuam boas e atualizadas bibliotecas, o que não é verdade). Sem ter bons, qualificados e experientes professores (nestas instituições os professores ganham por aula dada) para orientar os alunos, e sem o apoio de um consolidado ambiente científico que as IES privadas não têm? No processo ensino e aprendizagem não há mágica.
O processo de formação ou desinformação por meio desses cursos de licenciaturas em Matemática em três anos tem como características: a pobreza de informações teóricas essenciais à boa formação do professor de ensino básico, a precariedade nas manipulações matemáticas, e a precariedade no uso da informática como ferramenta auxiliar.
O responsável pela elaboração da grade curricular de um curso de licenciatura em Matemática a ser integralizado em três anos à noite passará a dispor de cinco noites por semana (de segunda-feira à sexta-feira), cada noite com três horas e trinta minutos de atividades escolares, para integralizar a carga horária de 2.800 horas, conforme determina o Art. 1° da Resolução CNE/CP n° 2, de 19 de fevereiro de 2002. Esta pessoa passará a utilizar os sábados para que algumas disciplinas tenham aulas regulares e desse modo cumprir a lei.
Isto funcionará apenas no papel, pois a grande maioria dos alunos das IES privadas trabalha também aos sábados, e assim sendo tais alunos não poderão assistir aulas aos sábados. Relembramos que por força da Lei nº 9.394/96, (a LDB) a freqüência é obrigatória a, pelo menos, 75% das aulas de cada disciplina do curso.
Há outro grave problema originado pelo sistema atual. Como as IES privadas procuram matricular o maior número possível de alunos clientes, eles são matriculados, por exemplo, em um curso de licenciatura em Matemática sem possuírem conhecimentos básicos necessários a alguém que aspira ser professor de Matemática.
Em resumo. Os cursos de licenciaturas em Matemática que eram ofertados em quatro anos por IES privadas já eram de má qualidade, devido a uma série de fatores que são do conhecimento das autoridades competentes, e a partir de 2002 esses mesmos cursos de má qualidade passaram a ser ofertados em três anos de duração. Teremos como resultado desse imbróglio a má qualidade elevada a n-ésima potência, , com n sendo um número inteiro positivo maior que 1.
O licenciado em Matemática deve ser um profissional que, dentre outras coisas tenha o perfil seguinte: saiba dominar conhecimentos matemáticos não triviais; tenha consciência do modo de produção próprio da Matemática (origens, processo de criação, inserção cultural); tenha conhecimento das aplicações da Matemática em várias áreas do conhecimento; seja capaz de perceber o quanto o conhecimento de certos conteúdos e o desenvolvimento de certas habilidades e competências próprias ao fazer matemático são relevantes para o exercício pleno da cidadania; seja capaz de observar seus alunos, ensiná-los a pensar, e buscar alternativas de ação que propiciem o desenvolvimento de autonomia e pensamento desses alunos.
Com a oferta de cursos de licenciatura em Matemática em três anos será impossível graduar profissionais com tal perfil, além de habilidades e competências que são determinadas pelo colegiado do curso.
Com isso poderemos inferir que o Governo Federal conseguiu criar o seguinte quadro sombrio. Os futuros professores de matemática graduados por IES privadas aprenderão quase nada, e por sua vez, menos que quase nada passarão para seus futuros alunos. Chegará o momento em que este quase nada tenderá para zero. Ainda bem que a USP e outras universidades públicas ofertam bons cursos de licenciatura em Matemática que são integralizados em quatro anos e em cinco anos, dependendo do período.
E La nave va.
NOTAS
[i] Doutor pela USP; Docente aposentado pelo Departamento de Matemática da UFPR; Vice-Presidente da SBHMat; Consultor da CAPES; Membro da Atual Diretoria da APUFPR. E-mail: clovips2@uol.com.br
[ii]Os responsáveis pelas coisas da educação dos países desenvolvidos sabem o que isto significa para seus países.
[iii] BARROS, Roque Spencer Maciel de. A Ilustração Brasileira e a Idéia de Universidade. São Paulo: Editora Convívio/ EdUSP, 1986.
Clóvis Pereira da Silva[i]
O Governo Federal continua com o firme propósito de transformar em sucata o Sistema Nacional de Graduação - SNG. Seus atos neste sentido são divulgados diariamente pela imprensa, e se referem a sucateamento das universidades federais via redução de verbas para a manutenção das mesmas, via pagamento de salários aviltados aos docentes e aos técnicos – administrativos dessas instituições, via autorização desordenada para criação de novos cursos de graduação por parte de Instituições de Ensino Superior privadas. Para evitar o caos no SNG é necessário que a parte esclarecida da sociedade reaja de forma veemente. O futuro de nossa nação será moldado por nossas reações.
Nosso particular interesse está voltado para a oferta por Instituições de Ensino Superior - IES privadas dos cursos de licenciaturas em Matemática em três anos, excrescência que foi aprovada em 2002 pelo Conselho Nacional de Educação – CNE (cf. Resolução CNE/CP n° 2, de 19 de fevereiro de 2002).
A parte esclarecida da sociedade precisa fazer a si mesma a seguinte pergunta: como ficará o Brasil no competitivo contexto mundial com a oferta de cursos de licenciaturas em três anos e de má qualidade? Lembramos que estes são cursos formadores de professores do ensino básico (professores de matemática, física, química, história, geografia, língua portuguesa, etc.).
Será esta uma estratégia idealizada pelo Banco Mundial para assegurar nossa inserção no mundo capitalista globalizado como nação periférica, exportadora de recursos naturais, de produtos agrícolas e de mão – de - obra barata, e dependente ad infinitum da importação de ciência e tecnologia de ponta? Este atual estado de coisas interessa a quem? Certamente que não interessa à nação brasileira.
Segundo informações contidas no Informativo nº 136 do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira-INEP, órgão do MEC, de 24/5/2006, o país tinha 2.381 IES. Desse total as IES privadas correspondiam a 89,83%. As 10,17% restantes eram IES públicas. Este é um número assustador tendo em vista a má qualidade dos cursos de licenciaturas, em particular, licenciaturas em Matemática, ofertados pela grande maioria dessas instituições privadas. Chamamos a atenção do leitor para observar a quantidade de jovens brasileiros que estão tendo uma formação de graduação de baixa qualidade. Este é um problema gravíssimo.
A educação do brasileiro não pode ser tratada como um grande e lucrativo negócio que desperta o interesse de grupos privados nacionais e estrangeiros. Sabemos que a venda de serviços da educação superior afasta a universidade do estudo do rigor teórico, da vigilância epistemológica e das soluções dos problemas nacionais.
A excelência da educação escolar da nação com conseqüente formação de seus líderes é um dos itens da soberania nacional[ii]. Um bom e inteligente sistema educacional deve ser uma prioridade para a nação. A qualidade de vida dos brasileiros no presente e no futuro, sua inserção no mundo capitalista globalizado serão determinados pela qualidade da educação escolar do país. A sociedade brasileira deve repassar esses princípios às autoridades responsáveis pelas coisas da educação.
O Brasil não pode esperar outros quinhentos anos para ser criado um Sistema Nacional de Ensino de boa qualidade. O momento é agora. A respeito da boa qualidade da educação nacional vejamos o que nos informa (BARROS, 1986, p. 207)[iii].
A educação como observa Tito Lívio de Castro, é, por excelência, o fator mesológico mutável, entre outros fatores imutáveis: dela, por conseguinte, é que temos de esperar tudo. É a alta cultura, especialmente de índole científica, que produz a prosperidade material, que pode enriquecer o país, torná-lo saudável e feliz. Para que a tenhamos, é preciso difundir as “luzes” por todas as classes sociais, espalhar o ensino primário, estabelecer o ensino secundário, criar o ensino técnico, especialmente o profissional e o agrícola. Mas, antes e acima de tudo, é preciso reformar o ensino superior, torná-lo sólido e eficaz, porque sem ele será vã qualquer outra tarefa. Sem uma elite intelectual bem preparada, como esperar a ilustração do povo? (...) Assim, se se quer um povo ilustrado, é preciso, primeiro, que se constitua uma elite verdadeiramente ilustre: que, democraticamente, do seio do próprio povo, saiam os seus guias, mas que essa posição de liderança seja conferida pelo saber e pela ciência. Ora, é exatamente o ensino superior que terá de formar esses guias, esses “ilustrados” a quem cabe acelerar a marcha histórica do país, a quem compete conduzi-lo à meta que a ciência e a indústria apontam como a era feliz da humanidade...
O atual SNG está estruturado para não garantir um avanço significativo da educação escolar brasileira; não está estruturado para fazer a inclusão social dos excluídos. Seu modelo tende a aprofundar o fosso social existente atualmente entre a minoria incluída e a maioria excluída da sociedade do conhecimento. O incentivo à massificação da oferta de cursos de graduação (aí incluídos os cursos de licenciaturas) de má qualidade é uma insensatez. É um produto de gestores incompetentes.
A nação brasileira precisa decidir se quer para si um modelo de universidade que seja capaz de inserir o Brasil na intensa competição internacional do mundo atual. Desejamos a universidade brasileira como sendo uma instituição moderna que possa contribuir para nos retirar da triste e vergonhosa condição de país exportador de cérebros, de matéria prima, e país dependente da ciência e da tecnologia desenvolvidas por outros países.
Sabemos que o futuro de nossa nação está intimamente ligado à qualidade da formação de suas elites intelectuais.
Assim que a Resolução CNE/CP n° 2, de 19 de fevereiro de 2002, foi publicada a imprensa nacional divulgou notícias de que os proprietários das IES privadas afirmavam que a inadimplência dos alunos em suas instituições ocorria a partir do segundo ano do curso.
Logo, inferimos que reduzir as licenciaturas para três anos funcionaria como a solução perfeita para reduzir a inadimplência de alunos clientes, assim como para atrair novos alunos. E quanto à qualidade dos cursos de licenciaturas a serem integralizados em três anos? Por que o CNE e o Ministro da Educação não acataram as informações de alerta, e os protestos contra as licenciaturas em três anos apresentados pela sociedade organizada, via sociedades científicas? Os gestores da educação brasileira foram alertados sobre os danos irreversíveis que causariam à formação de professores a aprovação da referida Resolução. Qual o propósito dos membros do CNE quando aprovaram a Resolução acima citada?
A partir do segundo semestre de 2002 várias IES privadas sediadas em diversas cidades brasileiras passaram a ofertar cursos de licenciaturas, inclusive em Matemática, em três anos letivos e funcionando apenas no período noturno. Principal objetivo dos proprietários dessas IES privadas: atrair a maior quantidade possível de alunos com a oferta de cursos de formação de professores em três anos. Sabemos que o processo “seletivo” para ingresso de alunos nas IES privadas é uma grande farsa. A imprensa nacional já divulgou, por exemplo, o caso de um analfabeto que havia sido aprovado em “processo de seleção” para um curso de Direito de uma determinada IES privada.
Para serem ofertados novos cursos de licenciaturas em Matemática em três anos, as grades curriculares desses mesmos cursos que eram ofertados em quatro anos tiveram que ser reduzidas. Várias disciplinas pertencentes a grandes áreas do conhecimento como: Álgebra, Geometria, Análise Matemática, Estatística, Física, História e Fundamentos da Matemática, Formação Pedagógica, contendo conceitos básicos da Matemática, e indispensáveis à boa formação do licenciado em Matemática foram suprimidas, criando-se assim verdadeiras grades monstros curriculares que passaram a graduar néscios numéricos, os novos licenciados em Matemática, que serão os professores das novas gerações de brasileiros analfabetos numéricos. Lembremo-nos do desempenho dos estudantes brasileiros nas diversas versões do Programa Internacional de Avaliação de Alunos – PISA, que aborda as áreas: Ciência, Leitura, Matemática.
Os cursos de licenciatura em Matemática de três anos são ofertados pelas IES privadas no período noturno. Em geral, os alunos de cursos noturnos precisam trabalhar durante o dia, inclusive aos sábados, para pagar a mensalidade do curso e para se manterem. Apresenta-se aqui um dos problemas do sistema. O aluno não tem tempo para estudar corretamente, nem para realizar as poucas e reduzidas tarefas escolares exigidas pelos professores do curso. A trapaça nos exames das disciplinas desses cursos chega a ser considerada um direito do aluno. Como aprender Matemática sem ter tempo para se dedicar aos estudos necessários, sem ter tempo para freqüentar bibliotecas (supondo que as IES privadas possuam boas e atualizadas bibliotecas, o que não é verdade). Sem ter bons, qualificados e experientes professores (nestas instituições os professores ganham por aula dada) para orientar os alunos, e sem o apoio de um consolidado ambiente científico que as IES privadas não têm? No processo ensino e aprendizagem não há mágica.
O processo de formação ou desinformação por meio desses cursos de licenciaturas em Matemática em três anos tem como características: a pobreza de informações teóricas essenciais à boa formação do professor de ensino básico, a precariedade nas manipulações matemáticas, e a precariedade no uso da informática como ferramenta auxiliar.
O responsável pela elaboração da grade curricular de um curso de licenciatura em Matemática a ser integralizado em três anos à noite passará a dispor de cinco noites por semana (de segunda-feira à sexta-feira), cada noite com três horas e trinta minutos de atividades escolares, para integralizar a carga horária de 2.800 horas, conforme determina o Art. 1° da Resolução CNE/CP n° 2, de 19 de fevereiro de 2002. Esta pessoa passará a utilizar os sábados para que algumas disciplinas tenham aulas regulares e desse modo cumprir a lei.
Isto funcionará apenas no papel, pois a grande maioria dos alunos das IES privadas trabalha também aos sábados, e assim sendo tais alunos não poderão assistir aulas aos sábados. Relembramos que por força da Lei nº 9.394/96, (a LDB) a freqüência é obrigatória a, pelo menos, 75% das aulas de cada disciplina do curso.
Há outro grave problema originado pelo sistema atual. Como as IES privadas procuram matricular o maior número possível de alunos clientes, eles são matriculados, por exemplo, em um curso de licenciatura em Matemática sem possuírem conhecimentos básicos necessários a alguém que aspira ser professor de Matemática.
Em resumo. Os cursos de licenciaturas em Matemática que eram ofertados em quatro anos por IES privadas já eram de má qualidade, devido a uma série de fatores que são do conhecimento das autoridades competentes, e a partir de 2002 esses mesmos cursos de má qualidade passaram a ser ofertados em três anos de duração. Teremos como resultado desse imbróglio a má qualidade elevada a n-ésima potência, , com n sendo um número inteiro positivo maior que 1.
O licenciado em Matemática deve ser um profissional que, dentre outras coisas tenha o perfil seguinte: saiba dominar conhecimentos matemáticos não triviais; tenha consciência do modo de produção próprio da Matemática (origens, processo de criação, inserção cultural); tenha conhecimento das aplicações da Matemática em várias áreas do conhecimento; seja capaz de perceber o quanto o conhecimento de certos conteúdos e o desenvolvimento de certas habilidades e competências próprias ao fazer matemático são relevantes para o exercício pleno da cidadania; seja capaz de observar seus alunos, ensiná-los a pensar, e buscar alternativas de ação que propiciem o desenvolvimento de autonomia e pensamento desses alunos.
Com a oferta de cursos de licenciatura em Matemática em três anos será impossível graduar profissionais com tal perfil, além de habilidades e competências que são determinadas pelo colegiado do curso.
Com isso poderemos inferir que o Governo Federal conseguiu criar o seguinte quadro sombrio. Os futuros professores de matemática graduados por IES privadas aprenderão quase nada, e por sua vez, menos que quase nada passarão para seus futuros alunos. Chegará o momento em que este quase nada tenderá para zero. Ainda bem que a USP e outras universidades públicas ofertam bons cursos de licenciatura em Matemática que são integralizados em quatro anos e em cinco anos, dependendo do período.
E La nave va.
NOTAS
[i] Doutor pela USP; Docente aposentado pelo Departamento de Matemática da UFPR; Vice-Presidente da SBHMat; Consultor da CAPES; Membro da Atual Diretoria da APUFPR. E-mail: clovips2@uol.com.br
[ii]Os responsáveis pelas coisas da educação dos países desenvolvidos sabem o que isto significa para seus países.
[iii] BARROS, Roque Spencer Maciel de. A Ilustração Brasileira e a Idéia de Universidade. São Paulo: Editora Convívio/ EdUSP, 1986.
(*) O artigo foi encaminhado pelo autor e aprovado pela equipe do blog para publicação.
3 comentários:
comungo em gênero,número e grau,com o professor Clovis.Justifico: resolvi após alguns anos voltar para os bancos escolares.passei por um "processo seletivo" para o curso de licenciatura em Ciências Biológicas Na Uniesp,um grupo da Região Oeste, que incorporou a Faculdade Integrada Hebraíco Renascença e Faculdade Tereza Martan em São Paulo,e qual fora minha decepção, paga - se um semestre e tem - se apenas 4 meses e 20 dias de efetivo exercício, tendo em vista que as aulas são lecionadas de 2ª a 5ª feira das 18:45h as 22:20 h.chego a triste conclusão que sairei da mesma forma como entrei, não por inapetência,pois tento esforçar - me em apreender, em 2005 havia algumas centenas de alunos,hoje 2008 tem - se dezenas de milhares de alunos.Pois esta faculdade bombardeia todos os dias via seu deptº de Marketing com os piores apelos, como por ex: custo de R$ 200,00 por um curso de licenciatura e diversos tipos de bolsas de estudo, bem como os programas subsídiados pelo governo Federal e Estadual.Isto sem elencar os diversos problemas de ordem administrativos,bem como seus docentes.Não vou identificar -me pois ainda sou aluno,e receio que certamente poderei ser retalhado por sua diretoria.Que ao meu ver tem um perfil um tanto quanto reacionário.Espero que as autoridades que compõe o MEC.fomente novas diretrizes para estes cursos de licenciatura.
Esse texto é simplesmente uma crítica sem fundamentação tendo em vista que o tempo de duração de um curso de matemática não é o que determina se ele formará bons professores de matemática ou professores medíocres. Os cursos de três anos foram criados simplesmente porque no resto do mundo eles já existiam e não é porque aqui é o Brasil que devemos pensar que somos melhores a partir do momento em que até certa data aqui não havia cursos com essa duração. O texto denota também a consciência caduca de alguns profissionais que não se atualizam e mantem uma opinião cisuda sobre tudo simplesmente porque acha que tem que ser assim. Vale ressaltar que estamos em um país onde se observa falta de professores e esse texto chega a ser uma aberração se for considerar que sugere que quanto mais longos forem os cursos, melhores profissionais eles formarão e o grande problema da falta de professores continua como se não existisse. Desculpe, mas não concordo com nada do que escreveu e sugiro que esteja mais atento ao contexto atual para não perder as estribeiras escrevendo bobagens como essa típica de alguém com dores de cotovelo porque perdeu muitos anos para concluir uma graduação.
Texto equivocado, desatualizado e o autor é totalmente desinformado.
Os melhores índices do ENADE foram para os alunos do EaD.
Quem foram os responsáveis pelo desastre na educação brasileira...Não foram os acadêmicos formados em...4 anos ou foram 5 anos ?
Vocês poderiam até dar exemplo de administração e gestão escolar para nós que teoricamente teríamos uma formação menor, mais infelizmente vocês não são líderes !
Quanto o colega que critica a instituição que ele faz parte, queria fazer ao mesmo uma pergunta:
- O que o está impedindo de estudar ou fazer cursos de qualificação ou de extensão.
Pobre vítima...tadinho dele...não quer se esforçar.
Postar um comentário