quarta-feira, 21 de maio de 2008

Gemas !


GEMAS !
Luis Paulo Vieira Braga (UFRJ)

Diante da profusão de novas siglas que passarão a povoar o contracheque dos docentes das Instituições Federais de Ensino Superior (IFES) uma delas chama a atenção - GEMAS. O professor otimista a interpretará como augúrio de valores de pedras preciosas adicionados aos seus rendimentos, já o pessimista terá a percepção de que muito sacrifício será necessário para obtê-la. De um ponto de vista mais objetivo, a gratificação específica do magistério superior (GEMAS) criada pela Medida Provisória 431 de 14 de Maio de 2008 não pode deixar de suscitar suspeitas de que seja a reinvenção da GED da gestão Paulo Renato - Fernando Henrique. Se tiver o seu mesmo vício de origem, ao confundir avaliação com gratificação, será muito mal vinda pela maioria dos docentes. O pressuposto de que o funcionário só desempenha com afinco suas funções se receber algo a mais, traz embutidos dois dilemas: a) os salários jamais podem ser aumentados ao nível correto e b) aqueles que trabalham pouco continuarão assim, pois ainda receberão muito pelo que fazem.

O uso de gratificações no setor público tem sido confundido com o seu uso em segmentos específicos do setor privado, que é de outra natureza, baseado no lucro das atividades. As gratificações corretas no setor público são, a princípio, devidas a insalubridade, tempo de serviço, titulação, entre outras. Outra forma de aumento de rendimentos nos vencimentos específicos dos docentes são as bolsas de produtividade, que apesar de, supostamente, remunerarem uma atividade extra, acabam por monopolizar os seus beneficiários em atividades de pesquisa e pós-graduação. Somente mais recentemente têm aparecido bolsas de graduação e extensão incentivando atividades voltadas para os curso de graduação. E, finalmente, há os polêmicos projetos de prestação de serviços através das, não menos polêmicas, fundações de apoio que tantos problemas têm trazido às universidades em todo o país. O dilema das receitas oriundas da prestação de serviços é que a partir da sua institucionalização, os orçamentos das IFES jamais serão satisfatórios exatamente porque há a captação extra-orçamentária e além disso, os projetos cada vez menos serão de natureza pública, como é o caso da Microsoft na UFPE e da L´Oreal na UFRJ. Ou seja, tunga-se duplamente a instituição pública e aqueles a quem ela se destina.

As contínuas reformulações dos contracheques do serviço público em geral, e dos docentes em particular, reduzem-se a variações sobre o mesmo tema. Salários defasados são compensados com gratificações que não substituem, por muito tempo, nem a necessária avaliação qualitativa, nem a erosão dos salários. Recorrentemente as IFES se vêem com um corpo docente insatisfeito e mal avaliado. Sem querer extrapolar para outro tema, mas inevitável, cai-se na recorrência das pseudo reformas que pretensamente buscam potencializar a raquítica universidade pública brasileira, fruto, dentre outras causas, da desmotivação e desmoralização de seus professores.

Mais uma vez perdeu-se a oportunidade de se implementar uma política salarial que resgatasse o peso do vencimento básico, com a progressiva eliminação de gratificações espúrias. Mais uma vez, ao custo de inúmeras reuniões, produziu-se uma solução de meia sola que talvez não resista ao curtíssimo horizonte de sua implantação que é de três anos. A insustentabilidade das propostas se revelou no repúdio que colheu até mesmo do leniente parlamento brasileiro em vistas do conflito evidente com as normas do Supremo Tribunal Federal. Cai a MP 430 que provia os recursos para a MP 431 antes mesmo de ser votada. Volta a bola para o campo do governo que deverá agora formular um projeto de lei e encaminhá-lo para votação até o final de maio. Enquanto isso, gemam !

segunda-feira, 19 de maio de 2008

Neopeleguismo Sindical e Movimento Docente nas IFES


Neopeleguismo Sindical e Movimento Docente nas IFES*

Leandro Nogueira (EEFD-UFRJ)
Luis Paulo Vieira Braga (IM-UFRJ)

O cenário é indiscutível e o veredicto é consensual, tanto para as bases do pensamento à direita, como da esquerda democráticas: a CUT e a Força Sindical, em missão conjunta para integrarem política e financeiramente o aparato estatal, inovaram o peleguismo arbitrado pela Era Vargas, protagonizando o mais explícito neopeleguismo. E o fizeram como "nunca antes na história desse país", segundo os sociólogos Ricardo Antunes, professor da Unicamp, e Demétrio Magnoli, colunista de O Globo.

No começo, o argumento era o da luta pela legalização das centrais sindicais. Mas com a sanção pela Câmara Federal, em março último, do Projeto de Lei 1.990/07, a lacuna da legalidade, que diga-se de passagem, jamais impediu a existência da CUT ou da Força como entidades gerais de representação dos trabalhadores, foi preenchida com um belo pacote, contendo a conversão do imposto sindical para o status de contribuição negocial, e a confirmação da unicidade sindical.

Em uma única e sorrateira tacada, essa "modernização" dos fundamentos da legislação sindical varguista, consagrou uma casta de sindicalistas completamente apartada dos trabalhadores, na mesma medida em que foi suprimido o direito à liberdade sindical, consagrado pelo Art. 23 da Declaração Universal dos Direitos Humanos e ratificado pela Convenção 87 da OIT.

Com a "contribuição negocial" a CUT e a Força passam a não mais necessitar da cotização dos trabalhadores associados, adverte o Prof. Antunes, já que serão patrocinadas pela legislação lulista, com 10% do valor das contribuições sindicais.
Por baixo, o presente lulista permitirá que os neopelegos abocanhem anualmente mais de R$ 100 milhões, lembra o colunista Magnoli, e sem qualquer prestação ao Tribunal de Contas da União, de acordo com a Lei 11.648, editada na sequência da sanção presidencial ao PL 1.990/07.

Além desse privilégio a fundo perdido, a CUT e a Força preservaram também a "reserva de mercado" por meio da unicidade sindical, princípio que obriga todos os trabalhadores a pagarem tributos para o sindicato local e único por base territorial. Os dirigentes da CUT e da Força alegam que ambas as centrais têm compromisso com o fim do imposto sindical, e que a criação da contribuição negocial coletiva, a ser aprovada em assembléia, beneficiará os sindicatos sérios e representativos, combatendo-se assim, os chamados sindicatos-fantasma.

Noves fora o fato de que o fim do imposto sindical ainda não foi decretado, nem a CUT ou a Força debatem o fim da unicidade sindical, ou informam que a nova contribuição pode superar o confisco anual limitado a 3,3% de um salário mensal, com a perspectiva de até ultrapassar 13% desses mesmos vencimentos.
Na prática, enquanto se perpetra a eliminação dos sindicatos-fantasmas, o novo instrumento de contribuição compulsória e garantido pelo Estado, visa asssegurar em bases ainda mais vantajosas a reserva de mercado sindical.

Este neopeleguismo é especialmente favorável ao governo Lula, que assim pode controlar melhor os movimentos reivindicatórios dos trabalhadores e aposentados, conduzindo-nos a passos largos. para a sociedade dos empregos de baixa qualidade e das aposentadorias mínimas, com uma rede pública de proteção social cada vez mais deficiente, não obstante sejam propagadas as maravilhas do "crescimento sustentado" da economia.

O quadro é especialmente deletério para a afirmação das políticas públicas que visam a promoção dos direitos de cidadania como educação e saúde, com os trabalhadores desses setores sofrendo com a agudização das perdas salariais e das condições de trabalho necessárias para a oferta do atendimento de qualidade à população.

Por outro lado, se os trabalhadores do país vão servindo como massa de manobra para a CUT e a Força, muitos professores nas IFES incorrem em grave equívoco, ao acreditarem que a questão do neopeleguismo sindical nem de longe lhes diz respeito.

Sem embargo, ironicamente, os neopelegos estão fazendo escola entre nós, a partir da ligação íntima que se verifica entre a CUT e a entidade conhecida como PROIFES, surgida há alguns anos, supostamente como alternativa de luta pela valorização da universidade pública.

Em verdade, a gênese do PROIFES remonta a um período recente na história do movimento docente das IFES, quando dissidências de colegas petistas e demais apoiadores do lulismo, passaram a marcar presença em assembléias docentes, na UFRJ inclusive, pela defesa obstinada das propostas governistas, ainda que elas fossem deletérias para as universidades públicas federais, ou mesmo implicassem na retirada de direitos e na desvalorização dos professores universitários.

No princípio, essa militância geradora do PROIFES visou desqualificar e obstruir as greves dos professores das IFES em 2003, apesar da notória recusa governista em negociar reajustes que gradualmente reparassem as nossas perdas salariais. Em seguida. passaram a defender resolutamente a Reforma da Previdência, sancionada pelo governo federal naquele mesmo ano, através da famigerada PEC-40, que extinguiu a aposentadoria integral dos novos servidores públicos, instituiu o confisco compulsório dos inativos, e ainda impôs novas perdas para os trabalhadores da iniciativa privada, numa autêntica negociata, como bem definiu à época, a filósofa Marilena Chauí, da USP.

Mas a pré-história do PROIFES, justiça seja feita, ainda registra o apoio incondicional de seus militantes à Contra-Reforma Universitária de Lula da Silva, cuja primeira fase pariu o PROUNI, o esquema de utilização de verbas públicas e renúncia fiscal, para o preenchimento de "vagas ociosas" em instituições privadas do ensino superior, apesar do inaceitável nível de subfinanciamento das IFES.

Diante da prestação de serviços tão relevantes, essa militância foi então reconhecida pelo governo em 2004, com a criação do PROIFES, após decisão tirada de uma reunião ocorrida nas salas do MEC, que segundo o filósofo Roberto Romano, da Unicamp, teria sido chancelada pelo Sr. Jairo Jorge, então Secretário Executivo do ministério.

Desde então, como organismo paralelo (e governista) de representação docente nas IFES, o PROIFES tem insistido na desqualificação do movimento docente vinculado ao ANDES-SN, mesmo após a greve de 2005, que resultou entre outros efeitos, na obtenção do nosso último reajuste salarial, na criação da classe de associado, além dos aumentos de 50% no incentivo de titulação para a carreira de ensino superior, e de 90 para 115 pontos na GED para os aposentados.

Além disso, o PROIFES tem apoiado em todo o país a implantação do REUNI, o decreto que estabelece a aprovação automática nas IFES, num simulacro de ensino superior que visa graduar sem formar, enquanto precariza, intensifica e desvaloriza o trabalho docente, com (sub) financiamento não garantido, e ainda por cima mediado pela chantagem orçamentária do governo.

Apesar desta lamentável trajetória, os dirigentes do PROIFES ainda se auto-proclamaram negociadores vitoriosos por um acordo de reajuste salarial, cujas tratativas foram encerradas pelos representantes do próprio governo, em 10/12/2007, após estes divulgarem proposta que não contemplava as reivindicações aprovadas pela base majoritária do movimento docente nas IFES.

E, em 22/04 último, como os reajustes constantes nas tabelas impostas pelo governo, e previstos para vigorarem a partir de 01/03/2008, ainda não haviam dado o ar da graça em nossos surrados contracheques, o doutor-presidente do PROIFES, resolveu "cobrar" do governo, mais precisamente dos secretários do MPOG e do MEC, através de carta com cópia aos parlamentares do Congresso Nacional, que a tal "negociação vitoriosa" fosse implementada com urgência, por meio de Medida Provisória. Segundo ele, estaria "se instalando no professorado um clima de crescente perplexidade e, inclusive, de descrença em relação ao pronto cumprimento daquilo que foi pactuado".

E, em pleno mês de maio, logo após o Dia das Mães, as egrégias autoridades do governo, quiçá sensibilizadas por tal apelo, resolveram incluir os docentes das IFES e do Ensino Básico Federal, em nada menos que duas MPs, nº 430 e 431, publicadas no DOU, edição extra do dia 14/05, concedendo reajustes salariais, também para os demais servidores do Executivo Federal, da Polícia Federal, do Desenvolvimento Agrário, da Previdência, da Saúde e do Trabalho, da fiscalização do Ministério da Agricultura, da Polícia Rodoviária Federal, do Denasus e das Forças Armadas.

Mas sobre o que foi pactuado e exaltado como "grande vitória" pelos negociadores do PROIFES, é bom lembrar, por exemplo, que com o tal "acordo", os vencimentos de um "privilegiado" Professor Doutor 40H, Adjunto I, hoje no valor de R$ 3581,08, passarão inicialmente para R$ 4300,00. No sexto ano da Era Lula, trata-se de um valor ainda muito aquém dos vencimentos de R$ 5084,00, percebidos já em 2007, por um Policial Rodoviário Federal em início de carreira, de quem é exigida apenas a formação de ensino médio, para o cumprimento de uma carga de 40 horas semanais de trabalho, em regime de escala de revezamento.

Não obstante a necessidade da justa remuneração do Policial Rodoviário Federal, é mister que não seja ignorada a evidente e inaceitável desvalorização dos professores nas IFES. Além disso, não será em comunhão com o neopeleguismo, que conseguiremos reverter essa situação que o PROIFES considera "vitoriosa".

A bem da História, não dá nem para chamar de "vitória de Pirro", o tal "acordo" do PROIFES. O rei do Épiro, como se sabe, jamais se deixou iludir, mesmo após o épico triunfo em uma batalha contra os romanos.

O PROIFES, ao contrário, mesmo desprestigiado , mostra-se muito satisfeito com o tal "acordo", em verdade, uma clara imposição governista. Seus membros consideram-se hábeis negociadores, quando distantes disso, são apenas subservientes às decisões tomadas pelos gabinetes ministeriais, que como se sabe, invariavelmente postergam a substantiva recuperação de nossas perdas salariais.

* Contribuiram na revisão do texto os professores: Cláudio Bornstein (COPPE-UFRJ), José Henrique Erthal Sanglard (POLI-UFRJ) e Abraham Zakon(Escola de Química - UFRJ).

quinta-feira, 1 de maio de 2008

LICENCIATURAS EM TRÊS ANOS: UMA EXCRESCÊNCIA

LICENCIATURAS EM TRÊS ANOS: UMA EXCRESCÊNCIA(*)

Clóvis Pereira da Silva[i]

O Governo Federal continua com o firme propósito de transformar em sucata o Sistema Nacional de Graduação - SNG. Seus atos neste sentido são divulgados diariamente pela imprensa, e se referem a sucateamento das universidades federais via redução de verbas para a manutenção das mesmas, via pagamento de salários aviltados aos docentes e aos técnicos – administrativos dessas instituições, via autorização desordenada para criação de novos cursos de graduação por parte de Instituições de Ensino Superior privadas. Para evitar o caos no SNG é necessário que a parte esclarecida da sociedade reaja de forma veemente. O futuro de nossa nação será moldado por nossas reações.

Nosso particular interesse está voltado para a oferta por Instituições de Ensino Superior - IES privadas dos cursos de licenciaturas em Matemática em três anos, excrescência que foi aprovada em 2002 pelo Conselho Nacional de Educação – CNE (cf. Resolução CNE/CP n° 2, de 19 de fevereiro de 2002).

A parte esclarecida da sociedade precisa fazer a si mesma a seguinte pergunta: como ficará o Brasil no competitivo contexto mundial com a oferta de cursos de licenciaturas em três anos e de má qualidade? Lembramos que estes são cursos formadores de professores do ensino básico (professores de matemática, física, química, história, geografia, língua portuguesa, etc.).

Será esta uma estratégia idealizada pelo Banco Mundial para assegurar nossa inserção no mundo capitalista globalizado como nação periférica, exportadora de recursos naturais, de produtos agrícolas e de mão – de - obra barata, e dependente ad infinitum da importação de ciência e tecnologia de ponta? Este atual estado de coisas interessa a quem? Certamente que não interessa à nação brasileira.

Segundo informações contidas no Informativo nº 136 do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira-INEP, órgão do MEC, de 24/5/2006, o país tinha 2.381 IES. Desse total as IES privadas correspondiam a 89,83%. As 10,17% restantes eram IES públicas. Este é um número assustador tendo em vista a má qualidade dos cursos de licenciaturas, em particular, licenciaturas em Matemática, ofertados pela grande maioria dessas instituições privadas. Chamamos a atenção do leitor para observar a quantidade de jovens brasileiros que estão tendo uma formação de graduação de baixa qualidade. Este é um problema gravíssimo.

A educação do brasileiro não pode ser tratada como um grande e lucrativo negócio que desperta o interesse de grupos privados nacionais e estrangeiros. Sabemos que a venda de serviços da educação superior afasta a universidade do estudo do rigor teórico, da vigilância epistemológica e das soluções dos problemas nacionais.

A excelência da educação escolar da nação com conseqüente formação de seus líderes é um dos itens da soberania nacional[ii]. Um bom e inteligente sistema educacional deve ser uma prioridade para a nação. A qualidade de vida dos brasileiros no presente e no futuro, sua inserção no mundo capitalista globalizado serão determinados pela qualidade da educação escolar do país. A sociedade brasileira deve repassar esses princípios às autoridades responsáveis pelas coisas da educação.

O Brasil não pode esperar outros quinhentos anos para ser criado um Sistema Nacional de Ensino de boa qualidade. O momento é agora. A respeito da boa qualidade da educação nacional vejamos o que nos informa (BARROS, 1986, p. 207)[iii].

A educação como observa Tito Lívio de Castro, é, por excelência, o fator mesológico mutável, entre outros fatores imutáveis: dela, por conseguinte, é que temos de esperar tudo. É a alta cultura, especialmente de índole científica, que produz a prosperidade material, que pode enriquecer o país, torná-lo saudável e feliz. Para que a tenhamos, é preciso difundir as “luzes” por todas as classes sociais, espalhar o ensino primário, estabelecer o ensino secundário, criar o ensino técnico, especialmente o profissional e o agrícola. Mas, antes e acima de tudo, é preciso reformar o ensino superior, torná-lo sólido e eficaz, porque sem ele será vã qualquer outra tarefa. Sem uma elite intelectual bem preparada, como esperar a ilustração do povo? (...) Assim, se se quer um povo ilustrado, é preciso, primeiro, que se constitua uma elite verdadeiramente ilustre: que, democraticamente, do seio do próprio povo, saiam os seus guias, mas que essa posição de liderança seja conferida pelo saber e pela ciência. Ora, é exatamente o ensino superior que terá de formar esses guias, esses “ilustrados” a quem cabe acelerar a marcha histórica do país, a quem compete conduzi-lo à meta que a ciência e a indústria apontam como a era feliz da humanidade...

O atual SNG está estruturado para não garantir um avanço significativo da educação escolar brasileira; não está estruturado para fazer a inclusão social dos excluídos. Seu modelo tende a aprofundar o fosso social existente atualmente entre a minoria incluída e a maioria excluída da sociedade do conhecimento. O incentivo à massificação da oferta de cursos de graduação (aí incluídos os cursos de licenciaturas) de má qualidade é uma insensatez. É um produto de gestores incompetentes.

A nação brasileira precisa decidir se quer para si um modelo de universidade que seja capaz de inserir o Brasil na intensa competição internacional do mundo atual. Desejamos a universidade brasileira como sendo uma instituição moderna que possa contribuir para nos retirar da triste e vergonhosa condição de país exportador de cérebros, de matéria prima, e país dependente da ciência e da tecnologia desenvolvidas por outros países.

Sabemos que o futuro de nossa nação está intimamente ligado à qualidade da formação de suas elites intelectuais.

Assim que a Resolução CNE/CP n° 2, de 19 de fevereiro de 2002, foi publicada a imprensa nacional divulgou notícias de que os proprietários das IES privadas afirmavam que a inadimplência dos alunos em suas instituições ocorria a partir do segundo ano do curso.

Logo, inferimos que reduzir as licenciaturas para três anos funcionaria como a solução perfeita para reduzir a inadimplência de alunos clientes, assim como para atrair novos alunos. E quanto à qualidade dos cursos de licenciaturas a serem integralizados em três anos? Por que o CNE e o Ministro da Educação não acataram as informações de alerta, e os protestos contra as licenciaturas em três anos apresentados pela sociedade organizada, via sociedades científicas? Os gestores da educação brasileira foram alertados sobre os danos irreversíveis que causariam à formação de professores a aprovação da referida Resolução. Qual o propósito dos membros do CNE quando aprovaram a Resolução acima citada?

A partir do segundo semestre de 2002 várias IES privadas sediadas em diversas cidades brasileiras passaram a ofertar cursos de licenciaturas, inclusive em Matemática, em três anos letivos e funcionando apenas no período noturno. Principal objetivo dos proprietários dessas IES privadas: atrair a maior quantidade possível de alunos com a oferta de cursos de formação de professores em três anos. Sabemos que o processo “seletivo” para ingresso de alunos nas IES privadas é uma grande farsa. A imprensa nacional já divulgou, por exemplo, o caso de um analfabeto que havia sido aprovado em “processo de seleção” para um curso de Direito de uma determinada IES privada.

Para serem ofertados novos cursos de licenciaturas em Matemática em três anos, as grades curriculares desses mesmos cursos que eram ofertados em quatro anos tiveram que ser reduzidas. Várias disciplinas pertencentes a grandes áreas do conhecimento como: Álgebra, Geometria, Análise Matemática, Estatística, Física, História e Fundamentos da Matemática, Formação Pedagógica, contendo conceitos básicos da Matemática, e indispensáveis à boa formação do licenciado em Matemática foram suprimidas, criando-se assim verdadeiras grades monstros curriculares que passaram a graduar néscios numéricos, os novos licenciados em Matemática, que serão os professores das novas gerações de brasileiros analfabetos numéricos. Lembremo-nos do desempenho dos estudantes brasileiros nas diversas versões do Programa Internacional de Avaliação de Alunos – PISA, que aborda as áreas: Ciência, Leitura, Matemática.

Os cursos de licenciatura em Matemática de três anos são ofertados pelas IES privadas no período noturno. Em geral, os alunos de cursos noturnos precisam trabalhar durante o dia, inclusive aos sábados, para pagar a mensalidade do curso e para se manterem. Apresenta-se aqui um dos problemas do sistema. O aluno não tem tempo para estudar corretamente, nem para realizar as poucas e reduzidas tarefas escolares exigidas pelos professores do curso. A trapaça nos exames das disciplinas desses cursos chega a ser considerada um direito do aluno. Como aprender Matemática sem ter tempo para se dedicar aos estudos necessários, sem ter tempo para freqüentar bibliotecas (supondo que as IES privadas possuam boas e atualizadas bibliotecas, o que não é verdade). Sem ter bons, qualificados e experientes professores (nestas instituições os professores ganham por aula dada) para orientar os alunos, e sem o apoio de um consolidado ambiente científico que as IES privadas não têm? No processo ensino e aprendizagem não há mágica.

O processo de formação ou desinformação por meio desses cursos de licenciaturas em Matemática em três anos tem como características: a pobreza de informações teóricas essenciais à boa formação do professor de ensino básico, a precariedade nas manipulações matemáticas, e a precariedade no uso da informática como ferramenta auxiliar.

O responsável pela elaboração da grade curricular de um curso de licenciatura em Matemática a ser integralizado em três anos à noite passará a dispor de cinco noites por semana (de segunda-feira à sexta-feira), cada noite com três horas e trinta minutos de atividades escolares, para integralizar a carga horária de 2.800 horas, conforme determina o Art. 1° da Resolução CNE/CP n° 2, de 19 de fevereiro de 2002. Esta pessoa passará a utilizar os sábados para que algumas disciplinas tenham aulas regulares e desse modo cumprir a lei.

Isto funcionará apenas no papel, pois a grande maioria dos alunos das IES privadas trabalha também aos sábados, e assim sendo tais alunos não poderão assistir aulas aos sábados. Relembramos que por força da Lei nº 9.394/96, (a LDB) a freqüência é obrigatória a, pelo menos, 75% das aulas de cada disciplina do curso.

Há outro grave problema originado pelo sistema atual. Como as IES privadas procuram matricular o maior número possível de alunos clientes, eles são matriculados, por exemplo, em um curso de licenciatura em Matemática sem possuírem conhecimentos básicos necessários a alguém que aspira ser professor de Matemática.

Em resumo. Os cursos de licenciaturas em Matemática que eram ofertados em quatro anos por IES privadas já eram de má qualidade, devido a uma série de fatores que são do conhecimento das autoridades competentes, e a partir de 2002 esses mesmos cursos de má qualidade passaram a ser ofertados em três anos de duração. Teremos como resultado desse imbróglio a má qualidade elevada a n-ésima potência, , com n sendo um número inteiro positivo maior que 1.

O licenciado em Matemática deve ser um profissional que, dentre outras coisas tenha o perfil seguinte: saiba dominar conhecimentos matemáticos não triviais; tenha consciência do modo de produção próprio da Matemática (origens, processo de criação, inserção cultural); tenha conhecimento das aplicações da Matemática em várias áreas do conhecimento; seja capaz de perceber o quanto o conhecimento de certos conteúdos e o desenvolvimento de certas habilidades e competências próprias ao fazer matemático são relevantes para o exercício pleno da cidadania; seja capaz de observar seus alunos, ensiná-los a pensar, e buscar alternativas de ação que propiciem o desenvolvimento de autonomia e pensamento desses alunos.

Com a oferta de cursos de licenciatura em Matemática em três anos será impossível graduar profissionais com tal perfil, além de habilidades e competências que são determinadas pelo colegiado do curso.

Com isso poderemos inferir que o Governo Federal conseguiu criar o seguinte quadro sombrio. Os futuros professores de matemática graduados por IES privadas aprenderão quase nada, e por sua vez, menos que quase nada passarão para seus futuros alunos. Chegará o momento em que este quase nada tenderá para zero. Ainda bem que a USP e outras universidades públicas ofertam bons cursos de licenciatura em Matemática que são integralizados em quatro anos e em cinco anos, dependendo do período.

E La nave va.

NOTAS

[i] Doutor pela USP; Docente aposentado pelo Departamento de Matemática da UFPR; Vice-Presidente da SBHMat; Consultor da CAPES; Membro da Atual Diretoria da APUFPR. E-mail: clovips2@uol.com.br

[ii]Os responsáveis pelas coisas da educação dos países desenvolvidos sabem o que isto significa para seus países.

[iii] BARROS, Roque Spencer Maciel de. A Ilustração Brasileira e a Idéia de Universidade. São Paulo: Editora Convívio/ EdUSP, 1986.
(*) O artigo foi encaminhado pelo autor e aprovado pela equipe do blog para publicação.