quinta-feira, 12 de abril de 2007

Nem Nova, Nem Aberta


Nem Nova, Nem Aberta.
Prof. Luis Paulo Vieira Braga *

A Universidade Federal do Rio de Janeiro, conhecida como Universidade do Brasil, ainda é uma das universidades mais importantes desse país devido ao seu quadro docente, técnico-administrativo e discente, que mal ou bem selecionados pela renda, demonstra enorme competência quando se avaliam, por exemplo, as jornadas de iniciação científica, as teses e projetos finais de curso, contradizendo assim as declarações a uma rádio carioca do nosso ex e futuro Reitor ao afirmar que o vestibular seleciona renda e não competência. Aparentemente o quadro de desânimo e apatia que se abateu sobre boa parte do quadro docente, contagiou os dirigentes maiores da UFRJ, e também seus expoentes científicos e culturais. Somente assim pode se explicar que aceitemos o papel de campo de provas de projetos para universidades de segunda linha, como o Universidade Nova, inspirados nas pranchetas dos organismos internacionais para os países periféricos e dependentes, e não sejamos capazes de reformular e repotencializar a universidade que por vocação é do Brasil e não do governo do Brasil.

Não devem nos confundir com aqueles elitistas de classe que através dos diversos aparelhos de Estado velam pela manutenção da brutal dominação econômica e social da população brasileira, responsável por tantos recordes negativos a nível mundial. Nem tampouco com os sociais populistas, cuja prática é generalizada nos dias atuais, e que não passa por ser a outra face da mesma moeda do subdesenvolvimento permanente. Assim rejeitamos igualmente a torre de marfim e a feirinha companheira. A UFRJ tem um papel diferente da Universidade do ABC, a sua vocação é a formação de quadros científicos e culturais conscientes, capazes de desenvolver novos projetos técnicos e sociais por esse país afora. Por esse motivo deve ampliar o processo de seleção de seus quadros discente, docente e técnico-administrativo por todo o Brasil, atraindo para cá o que houver de mais qualificado, e não, o contrário, eliminando a seleção de alunos , e mantendo um processo de concurso docente que é endógeno e profundamente esterilizante.

Os novos paradigmas de Universidade que vêm sendo divulgados pelo MEC como a quinta-essência do pensamento global não abordam de forma conveniente a questão da interdisciplinariedade – que é a característica marcante da ciência no século XXI. Aliás os dois projetos do governo do Brasil que estão na praça – Universidade Aberta(UA) e Universidade Nova(UN), assumem posições opostas, enquanto na UA o aluno é atraído pela possibilidade de se formar em uma profissão, na UN ocorre o oposto, reduzindo a interdisciplinariedade a uma abstração ao formar Bacharéis em coisa nenhuma. O que se observa nas instituições de pesquisa e ensino pelo mundo afora, é a materialização de programas de pesquisa em áreas determinadas – biotecnologia, mecatrônica, etc... A universidade deve é levantar as barreiras burocráticas que impedem a formação de grupos e programas interdisciplinares. Hoje a maior barreira a essa flexibilidade é a estrutura departamental, definida como a célula da universidade. As unidades devem se tornar as células, agrupando em seu interior programas de graduação e pós-graduação, laboratórios e núcleos. Evitando assim o verdadeiro cabo de guerra que se instala entre os departamentos – principalmente nas unidades básicas, quando se trata de dividir a carga de atendimento aos alunos. Atualmente há departamentos com tamanhos diferentes, e que, em alguns casos, poderiam se tornar unidades. Assim como subconjuntos de departamentos poderiam se reagrupar em uma nova unidade. Caberia aos Centros promover a harmonia entre as unidades nas opções que envolvessem atividades contempladas por mais de uma unidade ou fossem inéditas às unidades existentes.

Ensino não é equivalente a educação, um dos maiores equívocos do Ministério da Educação foi ter dado a denominação de Secretaria de Educação à Distância aos setor que cuida do regime de ensino remoto. Preocupação com educação tampouco é a criação de cursos de pós-graduação em ensino de ciências. Tanto na forma presencial como na forma a distância, o que praticamos hoje na UFRJ é ensino, não é educação. E mesmo as atividades de ensino são vistas como um obrigatório remédio amargo, já que a ênfase está na publicação de artigos em revistas internacionais (independente do impacto que possa ter sobre a realidade brasileira ) ou a realização de projetos de consultoria. Como duas idéias não podem ocupar o mesmo cérebro ao mesmo tempo, não é difícil entender o porquê da desvalorização do projeto pedagógico diante dos demais projetos. Os números baixos de formandos por total de alunos, os altos índices de trancamento, os longos períodos até a formatura não parecem motivar nossos dirigentes a especular sobre o problema, que preferem optar pela solução Malthusiana – colocar mais alunos para dentro, esperando que mais alunos cheguem ao final do curso.

A forma mais efetiva que a Universidade do Brasil pode contribuir para o progresso da sociedade brasileira é através da multiplicação de convênios com órgãos públicos em todos os níveis. Recentemente uma mensagem eletrônica no Forum da minha unidade fêz pouco da participação da UFRJ no esforço para a despoluição do canal que nos separa do continente. É exatamente o contrário, precisamos através de nossas competências desenvolvermos mais e mais projetos dessa natureza, estabelecendo um vínculo orgânico forte com a comunidade em que estamos inseridos. Evidentemente esses projetos precisam estar submetidos a uma fiscalização e monitoramento da comunidade universitária, o que implica em abrir as caixas-pretas das Fundações que hoje povoam os nossos campi.

A falta de professores no ensino básico, ao contrário do que pode parecer, não é simplesmente consequência da inexistência de cursos de formação de professores. Na minha unidade funciona, já, há algum tempo, um curso de licenciatura noturna, pois bem, os bancários, comerciários, militares, e outros profissionais que não podem estudar durante o dia, nem pagar uma faculdade particular, dificilmente irão largar os seus empregos, aonde ganham mais, para se arriscar em uma escola da rede pública. O mesmo acabará por ocorrer na Universidade, a permanecer o quadro de falta de condições e de baixa remuneração. O completo descuido com os seus recursos humanos, torna a UFRJ um péssimo patrão. Nem mesmo os seus direitos trabalhistas mais elementares, como um ambiente salubre, merece a atenção devida dos dirigentes superiores. A minha unidade, que não tem sede própria, já foi inundada vária vezes, e muitas salas de professores são escuras, úmidas, mal ventiladas e inadequadas para permanência prolongada. Se a questão salarial está engessada pela legislação superior, por outro lado, não se vê criatividade por parte dos dirigentes em buscar formas de remuneração indireta tais como – planos de saúde, assistência jurídica, bolsas de estudo para os filhos e dependentes, e outras vantagens viáveis e sustentáveis.

O peso de nosso passado colonial, aliado à presente fase globalizante do capital, estigmatizou o trabalho no Brasil como uma contigência da vida, ao invés de via para a realização e bem estar. Isso talvez explique o fascínio dos brasileiros por uma oportunidade no exterior, o que já afeta muitos de nossos colegas de academia, principalmente aqueles que tiveram sua formação ou parte dela lá fora. O estreitamento de oportunidades em segmentos de ciência, tecnologia e cultura, advém da prolongada ausência de um projeto ambicioso de desenvolvimento para o país, o que não deve ser confundido com mero crescimento. Desapareceram os polemistas de outrora, tão numerosos na Universidade do Brasil, resignam-se todos sob as inevitabilidades do receituário financeiro, ópio para conter a evolução da dívida pública trilionária, que irá afundar o país mais cedo , ou mais tarde. A Universidade do Governo do Brasil não polemiza, pasteuriza os debates, anestesia as consciências e reduz-se a uma alegoria dos tempos heróicos.

* Professor Associado do Instituto de Matemática da UFRJ

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