quinta-feira, 5 de abril de 2007

Votar ou votar


Votar ou votar
Prof. Luis Paulo Vieira Braga (IM-UFRJ)

O regime democrata quando deixa de ser uma via para a solução dos conflitos sociais e econômicos, e se torna apenas um instrumento de dominação de uma elite sobre a sociedade, transforma em alegorias os procedimentos que até então constituíam sua essência, dentre eles – as eleições – o altar aonde são sacrificados ou ungidos os seus legítimos dirigentes. A desmoralização do regime democrático reinstalado no Brasil, após mais de vinte anos de regime de exceção militar-civil, atinge hoje níveis de metástese no combalido organismo da sociedade civil brasileira. Dos escândalos dos anões do orçamento (ou dos gigantes das empreiteiras), passando pelo impedimento de Collor, até chegarmos à corrupção política generalizada dos dias de hoje. Surpreende que suas raízes não só não tenham sido cortadas no pretenso governo social democrata de FHC e aliados, como tenham desenvolvido novas formas mais potentes e mais abrangentes, como foi o caso do instituto da reeleição e da generalização de programas assistencialistas fora da estrutura da Previdência e Seguridade oficiais, importantes arrecadadores de votos junto aos muitos miseráveis e desassistidos desse país. Lula e aliados tornaram-se alunos exemplares do governo anterior e, em muitos aspectos, superam de longe o antigo mestre, dando um realce macabro à sua obra, pois nos traços do valerioduto, da mercantilização da sociedade e da desmoralização do serviço público identificamos o traço original daquele que pretendia que esquecessemos o que escreveu (Figueiredo , o último general presidente quis que o esquecessemos). Mas o povo não esquece, pelo simples motivo de que é o primeiro e o último a pagar pela farra democrática.
A alternância no poder Executivo, assim como a constituição dos poderes independentes do Legislativo e Judiciário, em tese, serviriam de antídotos contra a corrupção, o desmando e a ineficácia do regime. Entretanto, demonstrando que as estruturas formais não se sobrepõem às estruturas reais da sociedade, chegamos, após mais de vinte anos de restauração democrática, ao quadro atual no qual a sociedade nada o quase nada dispõe para fazer valer seus direitos e empreender as necessárias transformações no país. A diluição das legendas partidárias, a inocuidade do poder Judiciário e a corrupção no Executivo puseram de quatro a nação brasileira, irradiando para todos os seus quadrantes uma onda de descrédito, impotência e oportunismo. Mas o show precisa continuar, e a festa principal da democracia é as eleições em todos os seus níveis, da presidência da República às Universidades Federais.
O ambiente de contestação e relativa liberdade de opinião, nutrido pela irreverência das novas gerações, que ainda se observam nas IFES, favoreceu a tese da escolha direta para dirigentes das Universidades. A lei formal não contempla essa opção, pois a LDB consagra a eleição indireta e a lista tríplice como sendo o caminho correto de encaminhamento para a escolha de Reitor. A criatividade das massas produziu, entretanto, a consulta por sufrágio universal como uma forma indireta de se contornar a lei, sem feri-la, para permitir, enfim, a eleição direta para Reitor. Tive lições exemplares dessa dinâmica, e creio ter aprendido muito sobre democracia real e direta. Daí a minha surpresa em ver meus professores de democracia aderirem ao instituto da reeleição, embora o façam de forma dramática, renegando o feito com frases e atos de efeito. Dentre os quais a desincompatibilização próxima às eleições, visando, prioritariamente, a facilitar a campanha do candidato, e não afasta-lo antecipadamente do mando da estrutura que ora controla. Mas, a eleição do dirigente máximo da Universidade é a mais importante dentre uma série de outras eleições que constituem a base do processo de auto-governo que vige nas principais Universidades Federais. Infelizmente, a rede de mini-eleições que fertilizam a vida política dos campi vem se desfazendo a cada dia como fruto do descrédito dos eleitores e do aparelhamento praticado por grupos de interesse e dirigentes. Ou seja, guardadas as devidas proporções, as eleições na UFRJ padecem de problemas semelhantes àqueles observados no país, e o eleitorado reage da mesma forma, com descrédito ou barganha de interesses.
Um dos problemas com a atual reeleição para Reitor da UFRJ foi que só se lembraram dos eleitores na hora de votar, e, apesar da boa vontade do eleitor e do seu reconhecimento dessa e daquela realização da administração superior da universidade, foi, insistentemente, e em alguns casos, indevidamente, convidado a comparecer às seções eleitorais ao longo de longos três dias de votação. Ou não é indevida uma mensagem oficial assinada por um(a) Decano(a) recomendando que se votasse no candidato, durante os dias de votação ? As liberalidades que, crescentemente, vêm sendo tomadas nos processos de consulta à comunidade, e a distância que se estabelece entre eleitos e eleitores durante a legislatura alimentam a alienação da comunidade universitária dos problemas e desafios que apontam em nosso horizonte.
As eleições atuais são uma sombra daquelas realizadas em Maio de 2003 quando 16.469 eleitores compareceram às urnas, para escolher dentre três chapas concorrentes. Nas antecipadas eleições desse ano a participação foi de 10.583 votantes, representando uma queda de 35,7 % ! Por outro lado o número de votos em branco foi de 76 em 2003 e 556 em 2007representando um aumento de 731 % ! O número de votos nulos passou de 489 em 2003 para 614 em 2007, representando um aumento de 25 % . O colégio eleitoral de 2007 para a consulta foi contabilizado em 61.212 eleitores, desses a chapa 10 logrou obter 9.413 votos, ou seja 15% do total da comunidade universitária. Vai caber à vasta equipe de comunicação da Reitoria transformar o atual pleito em uma retumbante vitória.
A recondução da atual administração nos coloca diante de mais um, dentre vários problemas , a escolha do tema Universidade Nova para a aula Magna desse ano não foi uma mera coincidência. O projeto pretende ser uma solução para a absorção dos enormes contingentes de jovens que, sem colocação no mercado de trabalho, serão encaminhados para as Universidades a fim de cumprir um estágio de nível superior. Houvesse crescimento econômico expressivo a ênfase seria a formação técnica. Como não é o caso, trata-se de manter um exército de mão de obra de reserva nas universidade públicas. Por outro lado, o PAC engessa as possibilidades de recuperação salarial dos docentes, oferecendo como alternativa a prática do empreendedorismo. Portanto, aos eleitores, as batatas, e quentes, ainda por cima.


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