sábado, 26 de maio de 2007

REUNI OU DESUNI?


REUNI ou DESUNI ?

A administração pública no Brasil é uma das maiores vítimas das lutas político-partidárias que se desenvolvem no país. Freqüentemente, vista como meio para alcançar determinados objetivos, sejam eles financeiros ou ideológicos, prima pela falta de continuidade e instabilidade. Diagnósticos, feitos sob medida para alçar aos céus uma nova rotina e curto-circuitar as existentes, se sucedem a uma velocidade que excede em muito o limite do bom senso. Esse processo barbárico é envolvido em um amplo esquema de marketing que estigmatiza qualquer crítica como conservadora ou ultrapassada. O Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), lançado pelo Governo Federal em Abril deste ano, não foge à regra. Um enorme painel de programas que vão desde a instalação de energia elétrica nas escolas(1), passando pela distribuição de óculos, até a fixação de recém-doutores. É exatamente um dos programas do PDE, o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI), criado pelo decreto presidencial 9.096, em 24 de Abril de 2007, que está provocando muita inquietação entre os professores nos departamentos acadêmicos da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Ao indicar em seu Artigo 1o/ (2) as metas do programa, não deixa dúvidas sobre as condições que devem ser obedecidas, desqualificando-se, assim, as declarações suavizadoras de alguns dirigentes(3) empenhados em implantar o programa a qualquer custo. O Conselho Universitário da Universidade Federal do Rio de Janeiro (CONSUNI) aprovou uma resolução criando uma comissão de alto nível (4) que , corretamente, pretendia promover um debate sobre a propriedade ou não do REUNI e as linhas mestras a serem estabelecidas. Entretanto, a Portaria do Reitor (5) que formalizou a existência dessa Comissão alterou o seu caráter, o que foi denunciado pelo Prof. Roberto Leher em artigo recente (6).

De catalizadores da discussão, os integrantes da Comissão passaram a missionários do REUNI, promovendo uma primavera de projetos de cursos novos, de aumento de vagas e implantação de ciclos básicos por Centro(7), à margem do marco legal estabelecido pelo Conselho de Ensino de Graduação que disciplina a formulação do Projeto Pedagógico e organização curricular dos cursos de Graduação da UFRJ(8). Dizendo-se premidos pelos prazos, artificialmente, criados pelo Governo Federal, os operadores do REUNI na UFRJ promovem um verdadeiro rolo compressor nos colegiados de unidades e congregações em busca de apoio a algum vestígio de projeto que possa ser encaixado na forma do decreto 9.096. Digo vestígios, pois nem processos estão sendo corretamente instruídos para amparar as propostas dentro do marco de legalidade convencionado até então nesta universidade. O informe seguinte do representante de professores na Congregação do Instituto de Matemática ilustra a fragilidade da dinâmica adotada - a consulta aos professores adjuntos e associados sobre a criação do Bacharelado em Ciências da Natureza e Matemática teve 30 votos contrários e 12 votos favoráveis. Com isso os dois representantes dos adjuntos/associados seguiram o resultado da consulta e votaram contra a proposta na Congregação do IM ( órgão máximo deliberativo do IM ). O resultado final na Congregação foi a aprovação das linhas mestras da proposta, que permitem dar uma direção ao projeto. Praticamente todo o detalhamento do funcionamento do curso ( por exemplo: disciplinas, critérios para transferência dos alunos entre os cursos etc ficou para ser discutido ao longo dos próximos meses. Ora esse procedimento está em flagrante contradição com os incisos III e VI do Artigo 4o/ da resolução do CEG citada acima(9). Em especial o inciso III aponta a necessidade de se assegurar os recursos materiais e humanos para viabilizar o curso, assegurando assim que os benefícios orçamentários se destinem aos que os necessitam e o inciso VI garante o padrão de qualidade , agindo como antídoto à criação de cursos voltados para alunos com pretensões intelectuais abaixo da média que se tem praticado na UFRJ. O fato do CONSUNI e do CEG, tacitamente, aceitarem a alteração do processo de formulação de projetos pedagógicos não cria automaticamente jurisprudência. É necessário que tanto um colegiado, como o outro assumam perante a comunidade universitária que estão mudando tanto a resolução que instituiu a comissão de alto nível para o REUNI, como a resolução 02/2003 do CEG, pelo simples fato de que não se pode conviver com a norma e o descumprimento da mesma, nem com a contradição entre a palavra e a ação.

As tautologias expressas nas diretrizes do REUNI não incomodam a ninguém, reduzir a evasão, oferecer mais vagas, facilitar a composição de novos currículos, entre outras, merecem a atenção dos dirigentes e do corpo de docentes, discentes e técnicos administrativos da universidade. Mas a reforma pretendida parece mais orientada a melhorar índices sobre a realidade acadêmica, do que a realidade acadêmica propriamente dita(10). Reduzir a evasão transferindo evadidos de um bacharelado mais exigente para um mais fácil, ou encurtar a duração de um curso antes que os alunos vão embora, não parecem ser, exatamente, soluções de base, mas sim artifícios cosméticos do gênero – tudo está bem, se termina bem. E terminar bem significa ter dinheiro em caixa, e é dessa ilusão que se alimentam estas e outras propostas de gestão da administração pública, como se empreendimento privado fosse. Nada impedia que o governo federal alocasse 20% a mais no orçamento do MEC e fosse aprovando os projetos REUNI a medida que chegassem. Ao condicionar a apresentação imediata de projetos, ao encaminhamento orçamentário, o executivo praticamente impôs um paradigma – as universidades federais devem seguir o exemplo das universidades particulares: oferecendo cursos acessíveis aos alunos egressos do ensino médio público, aprovando de uma forma ou de outra a maioria desses alunos; contratando mais professores em tempo parcial e com menos qualificação(11); buscando financiamento no sistema produtivo através da prestação de serviços; e assimilando os campi universitários ao espaço urbano, descaracterizando-os assim como entidades autônomas.

(1)Um subprograma de outro Programa do Governo – O Luz para Todos, cujo secretário geral foi recentemente indiciado na, denominada, Operação Navalha da Polícia Federal.

(2)§ 1o O Programa tem como meta global a elevação gradual da taxa de conclusão média dos cursos de graduação presenciais para noventa por cento e da relação de alunos de graduação em cursos presenciais por professor para dezoito, ao final de cinco anos, a contar do início de cada plano.
§ 2o O Ministério da Educação estabelecerá os parâmetros de cálculo dos indicadores que compõem a meta referida no § 1o.

(3) Perguntada sobre a possibilidade de a UFRJ alcançar os índices cobrados pelo MEC em cinco anos, a decana do CCMN foi enfática: "Não é possível para qualquer universidade brasileira atingir o índice de 90% de taxa de conclusão nos cursos de graduação", diz. Segunda ela, aliás, pouquíssimas universidades no mundo inteiro devem conseguir índices tão elevados. De acordo com Ângela, talvez duas na Inglaterra e duas nosEstados Unidos: "Mas temos que confirmar esta afirmação", ressalta. Jornal da ADUFRJ, Ano X, número 538, 22/05/2007, página 8.

(4) Constituir Comissão, composta de 5 (cinco) membros do CONSUNI, 5 (cinco) membros do CEPG, 5 (cinco) membros do CEG e 3 (três) indicados pela Reitoria, para análise da proposta de Plano de Desenvolvimento da Educação e organizar o processo de discussão no âmbito da UFRJ. (Boletim, 10, 10 de maio de 2007).

(5) O Reitor (...) Resolve nomear Comissão para avaliar o PLANO DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO - PDE, e propor diretrizes para as ações a serem encaminhadas pela UFRJ (...) (Portaria nº 1345, de 02 de maio de 2007)

(6) Metamorfoses na deliberação do CONSUNI impõem o REUNI como fato consumado na UFRJ. Roberto Leher, Jornal da ADUFRJ, Ano X, número 538, 22/05/2007, página 6.

(7) Na Reunião de 24 de Maio do CONSUNI foram anunciadas as aprovações no Centro de Ciências da Saúde (CCS) de 50 vagas novas para o Curso de Medicina no Campus de Macaé, vagas adicionais para os cursos de Fonoaudiologia e Fisioterapia e um curso novo – Terapia Ocupacional. Já o Centro de Ciências Jurídicas e Econômicas (CCJE)aprovou a criação de dois cursos novos – Relações Internacionais e Gestão Pública, além de estudos para criar um ciclo básico comum.

( 8 ) RESOLUÇÃO CEG Nº 02/2003 de 12 de março de 2003.

(9) Artigo 4º - Os seguintes aspectos deverão compor o Projeto Pedagógico : I - apresentação histórica do curso, sua origem e inserção no contexto da Unidade e da UFRJ; II - justificativa, finalidade e identidade do curso; III - concepção de currículo adotada e prospectiva de operacionalização, incluindo a previsão do número inicial de vagas e docentes, bem como turno (s) de funcionamento e recursos humanos e materiais; IV - objetivos do curso como norteadores da formação acadêmico-profissional do aluno; V - perfil do egresso que configure a interação entre uma sólida formação acadêmica e uma atuação profissional marcada pelo compromisso ético nos espaços social, político, ambiental, científico e cultural de sua inserção; VI - as ementas dos conteúdos relativos aos componentes curriculares, acompanhadas de objetivos e metodologias de trabalho didático, formas de avaliação, carga horárias e bibliografias básicas, aprovadas pelos colegiados.

(10) "A proposta apresentada, de criação de um novo curso, pretende olhar para o problema do ponto de vista dos estudantes, e com isso iniciar um processo de melhoria de nossos indicadores de eficiência, como solicitado pelo Ministério da Educação em seus documentos públicos." Projeto de criação de curso "Bacharelado em Ciências da Natureza e Matemática, Ângela Rocha dos Santos, Sérgio de Paula Machado, Marta Feijó Barroso, CCMN,Abril, 2007.

(11) O banco de professores equivalentes criado pela PORTARIA NORMARTIVA INTERMINISTERIAL No- 22, DE 30 DE ABRIL DE 2007 dos MINISTROS DE ESTADO DA EDUCAÇÃO E DO PLANEJAMENTO, ORÇAMENTO E GESTÃO cuja unidade de referência é o professor 40 horas, e não mais o professor em DE permite que as universidades administrem a vontade o quantitativo de professores, quanto mais baixo na escala de qualificação e regime , mais professores podem contratar.

domingo, 20 de maio de 2007

METAMORFOSES NA DELIBERAÇÃO DO CONSUNI IMPÕEM O REUNI COMO FATO CONSUMADO NA UFRJ

METAMORFOSES NA DELIBERAÇÃO DO CONSUNI IMPÕEM O REUNI COMO FATO CONSUMADO NA UFRJ


Roberto Leher (FEUFRJ)

O Decreto 6069/07 (REUNI) não deixa margem a dúvidas: é um contrato de gestão entre as IFES e o MEC objetivando a “reestruturação” das universidades federais como condição para a sua “expansão”. Em função de seu alcance e profundidade, ao ser examinado pelo Conselho Universitário, em sessão de 26 de abril do corrente ano, o Conselho deliberou a:

Discussão sobre o Plano de Desenvolvimento da Educação. Após ampla discussão, o Conselho Universitário resolveu: a) Constituir Comissão, composta de 5 (cinco) membros do CONSUNI, 5 (cinco) membros do CEPG, 5 (cinco) membros do CEG e 3 (três) indicados pela Reitoria, para análise da proposta de Plano de Desenvolvimento da Educação e organizar o processo de discussão no âmbito da UFRJ. (Boletim, 10, 10 de maio de 2007).


O encaminhamento proposto pelo CONSUNI foi correto e coerente com os procedimentos acadêmicos, tendo em vista a complexidade da matéria e, sobretudo, as profundas implicações do PDE para as atividades de ensino e, mais amplamente, para toda a vida universitária no país.

Nos mesmos moldes dos contratos de gestão do Plano Diretor da Reforma do Estado, o REUNI contém metas a serem atingidas como contrapartida aos possíveis recursos do MEC, como a quase duplicação do número de estudantes de graduação e a drástica redução da evasão – metas de expansão que, em abstrato deveriam ser celebradas por todos os que defendemos a criação de condições para que a educação superior universitária possa ser garantida a todos os estudantes que desejem prosseguir seus estudos, em particular os provenientes das classes trabalhadoras.

A questão de fundo que indubitavelmente seria constatada pela Comissão é que o MEC, por meio de seu projeto denominado Universidade Nova, pretende promover essa ampliação de vagas por meio de cursos aligeirados, expresso em uma graduação minimalista nos moldes dos “community colleges” estadunidenses e do processo de Bolonha, promovido pela União Européia, situação que desarticularia todo sistema de formação da UFRJ que, a despeito de suas insuficiências, ainda assegura elevada qualidade de formação aos seus estudantes. E, como se não bastasse, a graduação minimalista será o ponto final da trajetória “(semi) universitária” da grande maioria dos estudantes, caso o MEC não repasse para as IFES recursos substanciais. Como o Decreto do MEC permite antever que esses recursos serão muito pequenos, situação confirmada pelo Programa de Aceleração do Crescimento, como pode ser visto a seguir, a UFRJ estará legitimando a exclusão da grande maioria dos estudantes de uma graduação plena, verdadeira, capaz de assegurar uma formação profissional.

Seguramente a Comissão constataria que os recursos previstos pelo governo Federal (Decreto 6069/07) para essa “reestruturação” e expansão: “até 20% do equivalente ao orçamento de cada IFES, exclusive o custo da folha de aposentados e pensionistas” são demasiadamente reduzidos, impedindo a expansão de fato universitária (daí a fórmula da graduação minimalista da Universidade Nova). Considerando o orçamento médio do MEC para as IFES (2003-2006), isso significaria cerca de R$ 1,2 bilhões para todas as 53 Universidades Federais. Apenas para indicar a ordem de grandeza desse montante, caso cada uma das universidades federais recebesse o mesmo montante, teríamos algo como R$ 22 milhões ao ano para cada instituição. Certamente, a Comissão constataria que os recursos previstos não permitiriam cumprir as metas mantendo o imprescindível padrão de qualidade que a UFRJ tem assegurado em seus cursos, lembrando que com estes recursos as universidades terão de custear a infra-estrutura e as novas contratações de docentes (Dec. 6069/07, Art.3, inciso III). Dificilmente passaria despercebido da Comissão que, a rigor, o MEC sequer assegura o montante de até 20%: “o atendimento do Plano de cada IFES é condicionado à capacidade orçamentária e operacional do MEC” (Dec. 6069/07, Art.3, §3o).

Quando a Portaria nomeando a Comissão foi editada, em 02 de maio de 2007, as suas atribuições foram substantivamente ampliadas:

O Reitor (...) Resolve nomear Comissão para avaliar o PLANO DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO - PDE, e propor diretrizes para as ações a serem encaminhadas pela UFRJ (...) (Portaria nº 1345, de 02 de maio de 2007)

A Portaria deixou abertas duas possibilidades:

(1) que a Comissão iria elaborar um grande diagnóstico das insuficiências da UFRJ, objetivando desenvolver, autonomamente, um esboço de ações para ampliar, de fato, o acesso da juventude à UFRJ (e nesse escopo a UFRJ avaliaria o REUNI) e

(2) o que seria surpreendente, a elaboração de diretrizes que assimilam o REUNI como um dado, um pressuposto.

Por que a última alternativa seria surpreendente? Porque, claramente, o CONSUNI não deliberou por este posicionamento (vide a ata no Boletim n. 10 supracitada) e, também, porque o debate não foi realizado pela UFRJ com a profundidade necessária e, a bem da verdade, a Comissão não pôde examinar as conseqüências da “reestruturação da UFRJ” vis-à-vis ao REUNI e tampouco pôde organizar o debate internamente, como seria sua legítima atribuição.

A alternativa mais preocupante se confirmou. Apenas uma semana mais tarde, em 11 de maio, a Presidente da mencionada Comissão enviou uma carta aos Diretores, Decanos e Pró-reitores, estabelecendo:

Instruções para preparação e encaminhamento de seus projetos e iniciativas, que subsidiem a elaboração da proposta da UFRJ. O plano de reestruturação da UFRJ, a ser submetido ao MEC, deverá estar em conformidade com diretrizes e regras estabelecidas pelo Decreto citado, que cria o Programa REUNI.

Independente de aspectos pontuais contidos na Carta, muitos deles meritórios, o busílis da questão é a incorporação do REUNI como um fato consumado, criando a falsa impressão de que um consenso foi forjado na UFRJ. A partir desse fato, as unidades, premidas pelas orientações da administração e pelo estrangulamento financeiro, estão se vendo constrangidas a apresentar, a toque de caixa (menos de duas semanas) os seus projetos, temendo ainda maior restrição financeira. Essa é a perversidade do contrato de gestão: como o governo impõe, unilateralmente, as suas metas no projeto Universidade Nova como condição para liberação de recursos, as instituições acabam vitimadas pela chantagem econômica e, assim, a discussão acadêmica sobre o significado do Decreto 6069/07 é completamente descartada, como se a criação da graduação minimalista, a contratação de professores com recursos próprios, mas não garantidos, fossem assuntos burocráticos e irrelevantes. “(...) serão recomendadas prioritariamente pela Comissão aquelas que apresentem clara articulação entre diferentes unidades e entre as diretrizes, objetivos e metas estabelecidas no REUNI.”

O que fazer?

O artigo 207 da Constituição Federal é uma norma bastante em si que assegura a autonomia universitária. Compete ao Conselho Universitário zelar por esse preceito, exigindo que o MEC não imponha nenhuma chantagem econômica sobre a instituição e, nesse sentido, poderia questionar os termos do Decreto 6069/07, como tem feito ao longo de sua história sempre que existe uma medida governamental que desrespeita a autonomia. A rigor, foi esse o gesto do Conselho superior da UFRJ quando corretamente deliberou pela análise e discussão do REUNI.
Certamente, se o CONSUNI reavaliar a cadeia de acontecimentos que levou a exigência de que as unidades se ajustem aos imperativos da Universidade Nova/ REUNI até o próximo dia 25 de maio, constatará que o tempo foi tão acelerado que o debate não pôde acontecer.

O mais sensato parece ser retornar a deliberação original de 26 de abril, de modo que a Comissão avalie e organize o debate sobre o REUNI na UFRJ. É crucial também que as Congregações não deixem de se pronunciar sobre a necessidade de que a completa reestruturação da UFRJ seja ampla e democraticamente discutida em todos os âmbitos da UFRJ, com base em um calendário que assegure o debate. Os recursos, como visto, modestos, não podem servir de moeda de troca à completa descaracterização de todo o patrimônio científico, tecnológico, artístico e cultural edificado pela UFRJ que esperamos possa ser destinado a muitos, mas com a qualidade da UFRJ e não com um padrão minimalista.

Contraditoriamente, a resistência ativa ao Decreto pode contribuir para que a UFRJ elabore a sua agenda de expansão do acesso ao ensino universitário com qualidade, notadamente por meio de forte ampliação dos cursos noturnos e da adoção de medidas que promovam a articulação da instituição com a educação básica pública, apresentando o que a instituição considera necessário em termos de pessoal e de infra-estrutura para o atendimento das metas previstas em seu plano de expansão autonomamente estabelecido pelos seus colegiados a partir de um amplo debate em que todos os que fazem a universidade pública sejam protagonistas.

Rio de Janeiro, 20 de maio de 2007

domingo, 13 de maio de 2007

GUERRA DOS MUNDOS

GUERRA DOS MUNDOS


O universo acadêmico de nível superior federal ainda não está em guerra, que é a continuação da política por outros meios, mas está exposto a políticas que poderão levar a ela. O marco inicial dessa nova era se deu ainda no governo de FHC e aliados. Particularmente a reformulação das metas estratégicas da Pós-Graduação e a introdução da Gratificação de Estímulo a Docência ( refiro-me aqui à sua formulação original, não a atual que se tornou apenas mais uma gratificação) elevaram em muito as tensões internas nas Instituições Federais de Ensino (IFES) em geral, e na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) em particular. Ao redefinir o objetivo da Pós-Graduação como a formação de pesquisadores e o desenvolvimento de pesquisa de nível internacional, em substituição às metas anteriores – formação de professores e desenvolvimento de tecnologia nacional, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do Ensino Superior (CAPES) de então, sintonizou sua política com o processo de desestatização e desnacionalização da economia nacional que continua até hoje, com o agravante da má administração das estatais restantes. A conseqüência para as IFES foi o redirecionamento de esforços para as atividades de pesquisa, que necessariamente precisavam ser atestadas, exclusivamente, por meio de publicações internacionais, em detrimento das atividades de ensino de graduação e demais atividades de pesquisa que não seguissem esse paradigma. O atraso em que nos encontramos na tecnologia espacial e nuclear, nessas áreas perdemos hoje para países como o Irã, demonstram o equívoco dessa política. Para corrigir o desinteresse pelo ensino de graduação e contornar as demandas dos docentes em greve por aumento de salário, o Executivo cometeu a GED, que recompensava com alguns trocados a mais quem fizesse as suas obrigações ou seja, ensino de graduação e pesquisa. Como, supostamente, as verbas eram limitadas, nem todos conseguiriam recebê-la, levando a uma intensa disputa entre os docentes para ofertar cursos na graduação. Após um par de anos, quase a totalidade dos docentes atingiu a pontuação máxima. Já no governo Lula e aliados, para encerrar uma greve a GED foi usada novamente, dessa vez formalizando-se o que já era fato, passou a ser uma gratificação fixa, independente do docente cumprir suas metas de trabalho ou não.

Nesse início de segundo mandato do Governo Lula as disputas partidárias pelo controle da máquina do Estado ainda estão acirradas, os conflitos no IBAMA , INCRA e Ministério do Trabalho nos dão evidência disto. Nas IFES o nome dessa disputa é REUNI, um programa criado pelo decreto 6.096 de 24 de Abril pelo Presidente da República e o Ministro da Educação que vem dar seguimento ao Manifesto da Universidade Nova assinado por alguns Reitores, inclusive o Reitor da UFRJ, em dezembro de 2006. Inspirado nas receitas do Banco Mundial para o ensino superior nos países em desenvolvimento, o projeto vem recebendo críticas de pontos de vista tão díspares como de docentes afiliados ao PROIFES e ao ANDES. Obviamente com motivações distintas, do primeiro grupo vem o receio da perda de qualidade dos alunos, e o inevitável comprometimento do sistema de pós-graduação existente. Para o segundo é o temor do suposto viés neo-liberal das reformas do estado. Para os governistas, entretanto, o projeto tem uma importância política fundamental – equivalente ao do Bolsa Família. Ao criar os bacharelados interdisciplinares, de acesso irrestrito, com garantia de vagas, de aprovação e de diploma, o governo Lula cria para si uma base de apoio considerável nas IFES, aonde é atacado à direita e à esquerda. Um exemplo dos dividendos políticos de iniciativas dessa natureza pôde ser observado nas últimas eleições para Reitor na UFRJ. Com apenas 15% de participação da comunidade universitária, e um percentual ainda menor dentre os estudantes, observou-se o oposto com respeito aos alunos dos cursos a distância ( exatamente aqueles que têm condições mais adversas para fazer um curso na UFRJ ) que compareceram em massa para votar, sufragando a chapa única com quase 100% de aprovação.

A presença de partidos na vida política é inevitável, a disputa entre eles, e muitas vezes entre suas facções, também. Porém, assim como até na guerra criou-se uma Convenção de Genebra, a disputa partidária não pode levar às últimas conseqüências o princípio de que os fins justificam os meios, o que acaba levando aos meios justificando os meios, como se depreendeu do episódio do mensalão. As IFES e os seus docentes têm, acima de tudo, uma missão de Estado, não devem ser mera via de passagem para grupos ou indivíduos na sua escalada para o poder.

sexta-feira, 11 de maio de 2007

A Noiva Síria

A Noiva Síria

Parece que ganhamos algum tempo, nesses minutos que tínhamos, para decidir sobre o futuro de cerca de 50.000 candidatos que procuram o vestibular da UFRJ. De 14 dias no CCMN para 6 semanas na UFRJ, ainda é muito pouco, e parece carecer de metodologia adequada, que quanto mais longe do palanque estiver, melhor. Curiosamente, ainda não ouvi o que os alunos têm a dizer sobre as propostas inspiradas no REUNI, a sigla da hora, ninguém mais usa o termo Universidade Nova, de xodó a xabu, mas os princípios subjacentes ainda persistem.

A rejeição ao Bacharelado em Ciências da Natureza e Matemática (BCNM) se amplia quanto mais se reflete sobre a proposta, e ela vem não dos renitentes conservadores de sempre, mas de insuspeitos professores do CCMN, dentre os quais não me incluo, que vêm se expressando no forum do IM, do CCMN e no forum-prof. É verdade que suas intervenções estão pautadas pelos termos do decreto que criou o REUNI, e nesse ponto está o início e o fim do nó que não desata. Se os projetos submetidos ao REUNI não contemplarem suas diretrizes, então não terão chances de serem aprovados, por outro lado, incomoda aos docentes, sinceramente comprometidos com a missão da universidade de formar conseqüentemente bons profissionais e produzir conhecimento e cultura, aderir a propostas que serão pouco mais do que piscinões para reter por algum tempo a enxurrada de jovens em busca de seu lugar na sociedade.

As tautologias contidas no REUNI não incomodam a ninguém – reduzir evasão, aumentar a produtividade, interdisciplinariedade, etc..., mas, dado que o decreto foi um evento precedido da aula magna sobre a Universidade Nova, que por sua vez foi precedido de um manifesto assinado pelo ex e atual Reitor, inevitavelmente, a dinâmica das discussões seguiu o eixo dado por aquela concepção. A pressão financeira é o outro componente que desestabiliza uma abordagem mais equilibrada e racional do tema.

Um esboço de proposta alternativa ao BCNM surgiu hoje no forum do CCMN – a de um básico comum ao CCMN, exceto para geografia. Não é uma idéia nova, mas pelo menos é uma idéia que tem mais a cara da nossa realidade, embora eu também não concorde com ela. A motivação ainda provém do Universo Novo, combater a evasão, combatendo a precocidade da escolha. Será que os 1161 candidatos no vestibular de 2006 que optaram por computação podem ser considerados precoces ? Ou será que acomodar parte deles em um curso alternativo, menos competitivo, não vai torná-los de precoces a frustrados ? Ou meros diplomados? Não é melhor que busquem os seus sonhos em outra Universidade, ou tentem mais adiante uma recolocação no curso pelo qual optaram em primeira escolha ? A idéia subjacente ao ciclo básico que ora se propõe, é, supostamente, malthusiana -deixar aos melhores a opção de sentar nas primeiras filas de algum espetáculo, mesmo que não se interessem muito pelo recital. É melhor um bacharelando em Gravura (o de menor procura no vestibular) que queria fazer computação do que um bacharelando em Gravura que queria fazer Gravura, mas teve menos pontos do que o seu rival. É óbvio que alguma seleção vai ter de ser feita, mas que seja entre os bacharelandos da mesma espécie. E esse é o problema de entrada comum para todo o CCMN, a diversidade de escolhas é muito grande. Pode-se talvez imaginá-la para uma mesma unidade, porém generalizá-la ao nível de Centro... Por que não perguntam aos alunos, o que eles acham? Aos alunos...

A noiva síria cansada do embate entre as autoridades sírias e israelenses sobre o seu passaporte, decide o que tem de fazer, vai ao encontro de seu noivo. Assim também devemos fazer em relação aos projetos de reformulação acadêmica. À luz da nossa experiência, que não é pouca coisa, tendo como meta a nossa missão, devemos avançar as discussões e propostas e apresentá-las como sendo a nossa universidade nova. Caberá ao executivo o ônus de não nos deixar passar.

terça-feira, 8 de maio de 2007

Por quê decidir precocemente por um projeto que pretende eliminar exatamente a opção precoce?

Por quê decidir precocemente por um projeto que pretende eliminar exatamente a opção precoce?

O título é longo, quatorze palavras, já o projeto "Bacharelado em Ciências da Natureza e Matemática(BCNM)" apresentado pela Decania do CCMN, nem tanto, quatorze páginas, e o tempo para aprová-lo, preferencialmente, também, quatorze dias ! Começou assim o processo de implantação do Universidade Nova na UFRJ. Nem mesmo a Comissão de Alto Nível nomeada pelo Reitor emitiu seus parecer sobre a conveniência, ou não, em tese, da adesão da UFRJ ao REUNI*, e as Congregações do CCMN e seu Conselho Máximo deverão aceitar, aprimorar ou rejeitar uma proposta material de Bacharelado Interdisciplinar - a solução definitiva para eliminar a evasão de alunos e aumentar a produtividade institucional em geral, e docente, em particular.

Uma das causas elencadas para o problema da evasão é a deficiência de formação de muitos alunos, cada vez mais numerosos devido aos programas sociais, que não teriam condições de seguir os cursos regulares voltados para a formação de pesquisadores e licenciados. Assim se ofereceria um curso com menos conteúdo matemático e com mais disciplinas de formação geral. É uma solução típica dos tempos pós-modernos – resolve-se o problema de evasão, terminando o curso antes que os alunos vão embora. Para isso não era preciso inventar um Bacharelado, a UFRJ poderia fornecer um certificado de estudos superiores para todo aluno que completasse com êxito um mínimo de disciplinas.

A outra causa da evasão apresentada no projeto é a imaturidade dos alunos que optam por uma profissão que desconhecem. Além da falta de evidência empírica para essa afirmação, a mesma encobre uma visão paternalista do jovem que precisaria ser cuidadosamente questionado sobre suas opções antes de ter direito a exercê-las. A maturidade se ganha com a experiência, e ao contrário, do que afirma o documento, o jovem é capaz sim, de expressar suas tendências, seus interesses. O que é necessário modificar é a rígida burocracia que permeia a vida escolar.

Ao não identificar as causas mais profundas da reprovação, da repetência, do trancamento, enfim das dificuldades cotidianas dos alunos, o projeto ao pretender fazer justiça social, cria um sistema de "apartheid" no CCMN, ao manter os bacharelados difíceis de um lado e o BCNM de outro. A suposta ponte entre eles é uma falácia. Fazendo uma mera comparação entre as disciplinas obrigatórias do BCNM e aquelas do bacharelado em estatística, tem-se o seguinte quadro:BCNM ( 9 disciplinas de Física, 4 disciplinas de Química, 6 de Matemática, 1 de Computação, 1 de Estatística, 1 de Biologia, 1 eletiva); Bacharelado em Estatística ( 8 de Matemática, 6 de Estatística, 3 de Computação, 1 de Física, 2 eletivas). O que demonstra que só a transição para o ciclo básico do Bacharelado "hard" consumiria um ano de cursos, mais dois a três anos de ciclo profissional somando um total de seis anos para obter um bacharelado em estatística, desde que não houvessem reprovações, o que é altamente improvável.

A aprovação de projetos no REUNI está condicionada à redução da evasão (leia-se aprovação compulsória) e à duplicação de vagas, senão não há chance de ser aprovado. Provavelmente pensando nisso os proponentes do BCNM incluem no projeto à pag. 4, terceiro parágrafo o seguinte texto "Cada unidade deverá reavaliar as vagas a serem oferecidas no concurso vestibular; a diferença entre o número atual de vagas e o novo número de vagas será alocado, num primeiro momento, em dobro, como vaga para o novo curso ". É isso mesmo os professores vão trabalhar dobrado...

Desde a reforma universitária de 1968 não se via uma proposta de reformulação tão profunda na vida acadêmica das IFES. Aquela foi feita sob a égide da força, inspirada nos famosos acordos MEC-USAID. A atual vem sendo imposta pela pressão financeira, a mensagem da Decania começa apelando ao bom senso do bolso : "Com a adesão a este projeto a UFRJ poderá pleitear do MEC recursos adicionais (para novas construções, equipamentos, pagamento de pessoal, etc..) da ordem de 170 milhões de reais em 5 anos".

Esse é o seu preço ?

* REUNI foi implantado pelo decreto presidencial 9.096 de 24 de Abril de 2007

domingo, 6 de maio de 2007

Da Universidade do Brasil à Universidade do Basicão

Da Universidade do Brasil à Universidade do Basicão
Luis Paulo Vieira Braga (IM)

Romance LXXXI ou dos ilustres assassinos
Cecília Meireles – Romanceiro da Inconfidência

Ó grandes oportunistas,
sobre o papel debruçados,
que calculais mundo e vida
em contos, doblas, cruzados,
que traçais vastas rubricas
e sinais entrelaçados,
com altas penas esguias
embebidas em pecados !


Em março, em aula magna na UFRJ, fomos apresentados à noiva – a Universidade Nova(UN), seu pai, o simpático Reitor da Universidade Federal da Bahia apresentou-a como a quinta-essência das concepções contemporâneas de paradigma universitário, com procedência insuspeita - fruto das reformas engendradas para a União Européia e sacramentada no Tratado de Bolonha de 1999. Poderia também ter mencionado o clássico - La Enseñanza Superior: las lecciones derivadas de la experiencia(1), produzido pelo Banco Mundial em 1995, mas, ultimamente esta instituição anda mal afamada, talvez por esse motivo não quis correr riscos de enodoar o véu alvo da noiva virginal. Como nos casamentos arranjados, houve o conchavo de véspera - A 2 de Dezembro de 2006 um conjunto de Reitores, dentre eles o Reitor da UFRJ, assinou um manifesto denominado – Manifesto da Universidade Nova que pretende completar o processo de reforma universitária proposta no PL 7200/06.

"O núcleo desta nova arquitetura é o Bacharelado Interdisciplinar (BI) em grandes áreas do conhecimento, com duração de 2 a 3 anos, que daria uma formação geral, podendo ser desdobrado em Artes, Humanidades, Tecnologia ou Ciências. A grade curricular constituir-se-ia de quatro grandes eixos – cursos tronco(Língua e literatura brasileira, Línguas estrangeiras), formação geral(FG), formação diferenciada(FD) e formação específica(FP). Para cursar disciplinas do núcleo FP o aluno precisa ter um bom rendimento nas disciplinas dos núcleos FG e FD. As disciplinas dos cursos tronco são oferecidas ao longo de todo o Bacharelado. O aluno que concluísse esse bacharelado poderia, ou não, continuar seus estudos, ou ir para o mercado de trabalho (Qual ?). A continuidade dos estudos na direção de uma complementação profissional (licenciaturas e cursos profissionais), ou ainda de uma pós-graduação, dependeria, obviamente, do rendimento alcançado no Bacharelado Interdisciplinar".(2)

Uma vez que o noivo não demonstrou muito interesse pela proposta, foi necessária uma ação mais decisiva por parte da família da noiva, tal qual o personagem de delegado nos casamentos caipiras, o Ministério do Ensino e o Poder Executivo editaram um decreto de número 6.096, de 24 de Abril, que vincula a expansão do já combalido orçamento das Instituições Federais de Ensino Superior(IFES) à adesão à Universidade Nova, ou Universidade do Basicão. Dobrar o número de vagas, diplomar 90% dos matriculados, e seguir os paradigmas do UN serão as obrigações do cônjuge se quiser receber um aumento de até 20% em sua mesada, isto é, no orçamento.

O depoimento seguinte de um professor da Escola de Música (EM) ilustra entre tantos outros, a situação real e atual do ensino de graduação na Universidade do Brasil: " Temos hoje um total de dez professores de XXXX(3) sendo apenas quatro do quadro permanente. Os demais são substitutos. Todos os professores estão com carga horária maior do que 20 horas semanais. Há substitutos com 26 horas semanais. Isso porque o aumento indiscriminado de oferta de vagas gerou um verdadeiro caos acedêmico. No último vestibular o departamento ofereceu apenas duas vagas, a previsão foi desrespeitada e entraram mais de vinte alunos novos. Nas disciplinas ditas teóricas ou expositivas, como queiram, há alunos assistindo aula em pé pois salas com capacidade para vinte alunos recebem atualmente quase o dobro. Há professores dando aula fora do espaço da universidade pois não há sala de aula disponível. Outros ficam peregrinando pela Escola de Música à procura de uma sala pois o número de turmas aumentou em função do aumento de alunos mas o número de salas continua o mesmo. Alunos estudam pelos corredores pois as salas estão todas ocupadas. As últimas COTAVs agravaram o problema pois ao desrespeitar o parecer da congregação da Escola de Música acabaram concedendo vagas para setores não prioritários. Algumas sequer foram preenchidas" .

Como falar então em expansão sem que haja antes um atendimento emergencial incondicional aos setores da Universidade do Brasil, mais criticamente atingidos ? Ou bastará isentar a EM da obrigatoriedade de aumentar o número de alunos, transferindo o seu deficit para outra unidade ?

Dentre os benefícios supostamente decorrentes da adoção da UN cita-se o fim da precocidade na escolha da carreira e o melhor aproveitamento de candidatos preteridos nos cursos mais competitivos, com a sua eventual absorção em outros cursos menos disputados, deslocando assim candidatos mais mal preparados, que anteriormente seriam beneficiados por um ranqueamento mais acessível. Em poucas palavras, substitui-se a tendência vocacional (seja ela precoce ou não) exclusivamente pela pontuação das notas. Vale mais um enfermeiro que queria ser médico do que um enfermeiro que queria ser enfermeiro. Vale mais um médico que teve de adiar a sua entrada na escola de Medicina do que um médico que sempre quis ser médico e teve de prestar vários mini-vestibulares durante o Basicão até poder, finalmente, entrar na Faculdade de Medicina. Quais são as evidências empíricas de que os jovens que optaram aos 18 anos por uma profissão se arrependeram da escolha ? Compreendo que muitos não tenham essa definição, mas nesse caso basta dotar a IFE de uma estrutura flexível, que permita a migração de alunos, que são a exceção, e não a regra!

"Quem questiona o BI vem sendo rotulado de "elitista". Mas, as universidades nasceram elitistas para formar, nas variadas áreas do saber (artística, científica, tecnológica), profissionais com qualificação destacada, capazes de gerir os grandes, médios e pequenos interesses dos diversos setores de uma nação. De forma não declarada, mas cada vez mais explícita, nas duas últimas décadas os gestores federais executaram projetos de incentivo ao aumento da produção de matérias-primas naturais para fins de exportação, visando produzir saldos na balança comercial e quitar dívidas antigas. Diante da oferta excessiva e crescente de mão-de-obra barata (ou desqualificada), incentivaram projetos educacionais para formação de tecnólogos e de modelos ralos de universidade para as massas. Os cursos de curta duração para diplomar "engenheiros operacionais", "tecnólogos" e "bacharéis interdisciplinares" nivelam para baixo os padrões educacionais do ensino superior no Brasil, que já adquiriu qualificações acadêmicas de excelência para desenvolver e executar projetos em diversas áreas do conhecimento. E em decorrência disso, predominará a reserva de domínio das altas tecnologias para os países do hemisfério norte"(4).

"Aparentemente o quadro de desânimo e apatia que se abateu sobre boa parte do quadro docente, contagiou os dirigentes maiores da UFRJ, e também seus expoentes científicos e culturais. Somente assim pode se explicar que aceitemos o papel de campo de provas de projetos para universidades de segunda linha, como o Universidade Nova, inspirados nas pranchetas dos organismos internacionais para os países periféricos e dependentes, e não sejamos capazes de reformular e repotencializar a universidade que por vocação é do Brasil e não do governo do Brasil"(5).




GRUPO BANCO MUNDIAL. La Enseñanza Superior: las lecciones derivadas de la experiencia Washington: Banco Internacional de Reconstrucción y Fomento, 1995. 115 p. (El Desarrollo En La Práctica).
O MANIFESTO DA UNIVERSIDADE NOVA(ou A mania da imitação e a História se repete por aqui...) Autores por ordem alfabética do primeiro nome: Abraham Zakon (EQ), Leandro Nogueira (EEFD), Luís Paulo Vieira Braga (IM), Luiz Eduardo Carvalho (FF). Jornal da ADUFRJ, Ano X, no. 528, pag.10. http://observatoriodauniversidade.blogspot.com/
(3) Omitido o nome do curso.
GRADUAR OU DIPLOMAR? Autores por ordem alfabética do primeiro nome: Abraham Zakon (EQ),José Henrique Erthal Sanglard (EP), Leandro Nogueira Filho (EEFD), Luís Paulo Vieira Braga (IM), Luiz Eduardo Carvalho (FF), Maria Aparecida da Silva (FL). Jornal da ADUFRJ, Ano X, no. 532, pag.8 http://observatoriodauniversidade.blogspot.com/
(5) Nem Nova, Nem Aberta. Luis Paulo Vieira Braga (IM), http://oglobo.globo.com/opiniao/

terça-feira, 1 de maio de 2007

Ensino Superior ou Escolões do Terceiro Grau?

Leandro Nogueira*

O que parecia ser apenas uma opinião fortuita, completamente apartada do rigor acadêmico, ao que tudo indica, aproxima-se em verdade de uma tese desconcertante.
Baseado no bordão pessoal de que “o Brasil é muito bom para formar poucas pessoas e muito ruim para formar muitas pessoas”(Jornal da UFRJ, 08/2006) , o ex-reitor da UFRJ e atual Secretário Estadual de Educação, Nelson Maculan, em entrevista com estudantes do ensino médio promovida pelo jornal O Globo (Megazine, 30/01/2007), reiterou a sua defesa de que as aulas no ensino superior devem ser dadas para turmas com mais de 350 alunos.
Para fundamentar a sua “teoria pedagógica” em favor desses autênticos comícios universitários, Maculan lembrou sua passagem como professor visitante no Politécnico de Milão, na Itália, em 2002 e 2003, quando lecionou para 350 alunos, além de volver ao seu passado em 1966, então como estudante na França, ocasião na qual assistiu aulas em turmas com mais de 500 alunos.
Pretendendo ainda adicionar um verniz de irrefutabilidade à sua conclusão, o conhecido acadêmico comentou que em Milão reprovou menos do que nos cursos de Cálculo da UFRJ (sic); que o Prêmio Nobel de Física, Carlos Rubia, também dava aulas para turmas massificadas, e que na França, o professor de sua megaturma nos anos 60, havia sido ninguém menos que Laurent Schwartz, estudioso detentor da Medalha Fields, laurel equivalente ao Nobel de Matemática.
No bate-papo com a garotada do ensino médio, o ex-reitor da UFRJ reclamou que no Brasil, as turmas do ensino superior com 50 alunos são consideradas antididáticas, para em seguida informar aos estudantes, que as Universidades de Buenos Aires e do México, contam respectivamente com 300 e 280 mil alunos, cada qual. Embora tendo feito a ressalva de que apenas 17% dos alunos se formavam naquelas instituições, Maculan comentou em seguida, que “para deixar entrar todo mundo, tem que dar condições para o estudante se manter no curso”.
Noves fora as menções à sua própria experiiência pessoal e aos premiados Rubia e Schwartz, o que per se não servem em absoluto como atestado de excelência na educação universitária, parece altamente questionável na tese de Maculan, a sobrevivência do ensino superior de alta qualidade, no contexto de instituiçôes superlotadas de alunos, em meio a turmas dramaticamente massificadas.
Pode-se especular em contrapartida, que nesses caóticos ambientes universitários, ainda assim, alguma aprendizagem significativa talvez sobreviva, não obstante o arremesso de conteúdos acadêmicos contra os estudantes, em sua maioria, destituídos das necessárias condições materiais para persistirem com seus estudos. Nesse caso entretanto, os poucos alunos que lograssem êxito, seriam os sobreviventes de um sistema, no mínimo claramente equivocado, autêntico simulacro da democratização da ensino superior de qualidade.
Outrossim, a assertiva de que o Brasil seja muito bom para formar poucos e muito ruim para formar muitos, não parece ser das mais felizes. Nesse terreno, a liderança dos Estados Unidos é praticamente incontestável.
Com efeito, a Ivy League, o conjunto ultraelitista formado pelas oito principais e mais antigas universidades norte-americanas (Brown, Columbia, Cornell, Dartmouth College, Harvard, Pensilvânia, Princeton e Yale), que compreende o círculo de excelência formador da maior parte dos líderes da nação estadunidense, opera com reduzidíssimo número de estudantes, considerados os padrões defendidos pelo ex-reitor da UFRJ. São principalmente dedicadas à pós-graduação, altamente dotadas do ponto de vista financeiro, inclusive com expressivo aporte de verbas públicas (de fazer inveja às universidades estaduais paulistas), muito embora, e curiosamnte, sejam reconhecidas como instituições privadas.
Harvard e Yale por exemplo, as duas maiores da Ivy League, têm matriculados juntas, menos de 33.000 estudantes, número bem abaixo dos quase 44.000 alunos da UFRJ, a maior universidade federal do Brasil. Ambas contam com orçamentos que somam quase US$ 4.5 bilhões, amparados por fundos que totalizaram em 2006, cerca de US$ 47 bilhões. São números tão expressivos, que superam largamente todo o orçamento desttinado ao conjunto das IFES nacionais.
De acordo com o próprio Maculan, que foi também Secretário de Ensino Superior do MEC, em 2006, sem a folha de pessoal, o orçamento das instituições federais de ensino superior brasileiras, somou cerca de R$ 1,2 bilhão. No caso da UFRJ, o orçamento de 2006 foi inferior a R$ 100 milhôes, para o custeio das despesas fixas e gastos com manutenção.
Considerando a significância desses dados, parece legítimo inferir que o ensino superior de qualidade não parece caminhar de mãos dadas com campi superlotados, turmas massificadas, instituições depauperadas e alunos desprovidos das necessárias condições materiais para a permanência pessoal em seus cursos .
Harvard, por exemplo, a mais antiga instituição da Ivy League, foi eleita em 2006 e pela terceira vez consecutiva, como a melhor universidade do mundo, de acordo com a lista das cem melhores instituições de ensino superior, elaborada pela publicação britânica “The Times Higher Education Supplement”, considerado o ranking acadêmico mais prestigiado do mundo.
Além de um orçamento de US$ 2.8 bilhões, suportado por um fundo de US$ 29.2 bilhões., os dados da renomada universidade americana registram as matrículas de apenas 19.714 estudantes (6613 na Graduação; 33,54%), orientados por 2.497 docentes, o que perfaz uma relação aluno-professor de 1: 7,89 , considerados todos os estudantes, e 1: 2, 64, levando-se em conta apenas os alunos dos cursos de graduação.
No debate sobre democratização e excelência do ensino superior no Brasil, torna-se então necessário discutir, quais seriam entre outras, as medidas mais adequadas do ponto de vista acadêmico, quanto ao número de estudantes, professores e a correspondente dotação orçamentária, num contexto que remeta às possibilidades concretas da economia , com o olhar sempre atento às principais demandas da sociedade.
As jovens universidades públicas brasileiras, têm dado demonstrações históricas de que podem representar em conjunto, a melhor opção resultante desse debate, quer sejam observados os seus principais números envolvendo estudantes e professores, e principalmente, se puderem ser aquilatadas judiciosamnte., a sua inegável contribuição ao desenvolvimento do país, não obstante o inaceitável contingenciamento dos recursos necessários ao seu custeio.
Sem base acadêmica rigorosamente sustentável, pululam no Brasil opiniões pessoais, projetos privatizantes de reestruturação do ensino superior e até mesmo a proposta de uma Universidade Nova, que visa graduar, sem formar os seus estudantes.
Em comum, essas formações discursivas também se declaram profundamente comprometidas com a excelência e a democratização do ensino superior.
Não obstante, o nível superficial desses discursos não parece combinar com seu nível mais profundo, já que suas proposições ofertam não mais do que a concretização de obscuridades, muitas delas próximas de nos remeter ao retrocesso dos escolões do terceiro grau.

*Professor EEFD