Da Universidade do Brasil à Universidade do Basicão
Luis Paulo Vieira Braga (IM)
Romance LXXXI ou dos ilustres assassinos
Cecília Meireles – Romanceiro da Inconfidência
Ó grandes oportunistas,
sobre o papel debruçados,
que calculais mundo e vida
em contos, doblas, cruzados,
que traçais vastas rubricas
e sinais entrelaçados,
com altas penas esguias
embebidas em pecados !
Em março, em aula magna na UFRJ, fomos apresentados à noiva – a Universidade Nova(UN), seu pai, o simpático Reitor da Universidade Federal da Bahia apresentou-a como a quinta-essência das concepções contemporâneas de paradigma universitário, com procedência insuspeita - fruto das reformas engendradas para a União Européia e sacramentada no Tratado de Bolonha de 1999. Poderia também ter mencionado o clássico - La Enseñanza Superior: las lecciones derivadas de la experiencia(1), produzido pelo Banco Mundial em 1995, mas, ultimamente esta instituição anda mal afamada, talvez por esse motivo não quis correr riscos de enodoar o véu alvo da noiva virginal. Como nos casamentos arranjados, houve o conchavo de véspera - A 2 de Dezembro de 2006 um conjunto de Reitores, dentre eles o Reitor da UFRJ, assinou um manifesto denominado – Manifesto da Universidade Nova que pretende completar o processo de reforma universitária proposta no PL 7200/06.
"O núcleo desta nova arquitetura é o Bacharelado Interdisciplinar (BI) em grandes áreas do conhecimento, com duração de 2 a 3 anos, que daria uma formação geral, podendo ser desdobrado em Artes, Humanidades, Tecnologia ou Ciências. A grade curricular constituir-se-ia de quatro grandes eixos – cursos tronco(Língua e literatura brasileira, Línguas estrangeiras), formação geral(FG), formação diferenciada(FD) e formação específica(FP). Para cursar disciplinas do núcleo FP o aluno precisa ter um bom rendimento nas disciplinas dos núcleos FG e FD. As disciplinas dos cursos tronco são oferecidas ao longo de todo o Bacharelado. O aluno que concluísse esse bacharelado poderia, ou não, continuar seus estudos, ou ir para o mercado de trabalho (Qual ?). A continuidade dos estudos na direção de uma complementação profissional (licenciaturas e cursos profissionais), ou ainda de uma pós-graduação, dependeria, obviamente, do rendimento alcançado no Bacharelado Interdisciplinar".(2)
Uma vez que o noivo não demonstrou muito interesse pela proposta, foi necessária uma ação mais decisiva por parte da família da noiva, tal qual o personagem de delegado nos casamentos caipiras, o Ministério do Ensino e o Poder Executivo editaram um decreto de número 6.096, de 24 de Abril, que vincula a expansão do já combalido orçamento das Instituições Federais de Ensino Superior(IFES) à adesão à Universidade Nova, ou Universidade do Basicão. Dobrar o número de vagas, diplomar 90% dos matriculados, e seguir os paradigmas do UN serão as obrigações do cônjuge se quiser receber um aumento de até 20% em sua mesada, isto é, no orçamento.
O depoimento seguinte de um professor da Escola de Música (EM) ilustra entre tantos outros, a situação real e atual do ensino de graduação na Universidade do Brasil: " Temos hoje um total de dez professores de XXXX(3) sendo apenas quatro do quadro permanente. Os demais são substitutos. Todos os professores estão com carga horária maior do que 20 horas semanais. Há substitutos com 26 horas semanais. Isso porque o aumento indiscriminado de oferta de vagas gerou um verdadeiro caos acedêmico. No último vestibular o departamento ofereceu apenas duas vagas, a previsão foi desrespeitada e entraram mais de vinte alunos novos. Nas disciplinas ditas teóricas ou expositivas, como queiram, há alunos assistindo aula em pé pois salas com capacidade para vinte alunos recebem atualmente quase o dobro. Há professores dando aula fora do espaço da universidade pois não há sala de aula disponível. Outros ficam peregrinando pela Escola de Música à procura de uma sala pois o número de turmas aumentou em função do aumento de alunos mas o número de salas continua o mesmo. Alunos estudam pelos corredores pois as salas estão todas ocupadas. As últimas COTAVs agravaram o problema pois ao desrespeitar o parecer da congregação da Escola de Música acabaram concedendo vagas para setores não prioritários. Algumas sequer foram preenchidas" .
Como falar então em expansão sem que haja antes um atendimento emergencial incondicional aos setores da Universidade do Brasil, mais criticamente atingidos ? Ou bastará isentar a EM da obrigatoriedade de aumentar o número de alunos, transferindo o seu deficit para outra unidade ?
Dentre os benefícios supostamente decorrentes da adoção da UN cita-se o fim da precocidade na escolha da carreira e o melhor aproveitamento de candidatos preteridos nos cursos mais competitivos, com a sua eventual absorção em outros cursos menos disputados, deslocando assim candidatos mais mal preparados, que anteriormente seriam beneficiados por um ranqueamento mais acessível. Em poucas palavras, substitui-se a tendência vocacional (seja ela precoce ou não) exclusivamente pela pontuação das notas. Vale mais um enfermeiro que queria ser médico do que um enfermeiro que queria ser enfermeiro. Vale mais um médico que teve de adiar a sua entrada na escola de Medicina do que um médico que sempre quis ser médico e teve de prestar vários mini-vestibulares durante o Basicão até poder, finalmente, entrar na Faculdade de Medicina. Quais são as evidências empíricas de que os jovens que optaram aos 18 anos por uma profissão se arrependeram da escolha ? Compreendo que muitos não tenham essa definição, mas nesse caso basta dotar a IFE de uma estrutura flexível, que permita a migração de alunos, que são a exceção, e não a regra!
"Quem questiona o BI vem sendo rotulado de "elitista". Mas, as universidades nasceram elitistas para formar, nas variadas áreas do saber (artística, científica, tecnológica), profissionais com qualificação destacada, capazes de gerir os grandes, médios e pequenos interesses dos diversos setores de uma nação. De forma não declarada, mas cada vez mais explícita, nas duas últimas décadas os gestores federais executaram projetos de incentivo ao aumento da produção de matérias-primas naturais para fins de exportação, visando produzir saldos na balança comercial e quitar dívidas antigas. Diante da oferta excessiva e crescente de mão-de-obra barata (ou desqualificada), incentivaram projetos educacionais para formação de tecnólogos e de modelos ralos de universidade para as massas. Os cursos de curta duração para diplomar "engenheiros operacionais", "tecnólogos" e "bacharéis interdisciplinares" nivelam para baixo os padrões educacionais do ensino superior no Brasil, que já adquiriu qualificações acadêmicas de excelência para desenvolver e executar projetos em diversas áreas do conhecimento. E em decorrência disso, predominará a reserva de domínio das altas tecnologias para os países do hemisfério norte"(4).
"Aparentemente o quadro de desânimo e apatia que se abateu sobre boa parte do quadro docente, contagiou os dirigentes maiores da UFRJ, e também seus expoentes científicos e culturais. Somente assim pode se explicar que aceitemos o papel de campo de provas de projetos para universidades de segunda linha, como o Universidade Nova, inspirados nas pranchetas dos organismos internacionais para os países periféricos e dependentes, e não sejamos capazes de reformular e repotencializar a universidade que por vocação é do Brasil e não do governo do Brasil"(5).
GRUPO BANCO MUNDIAL. La Enseñanza Superior: las lecciones derivadas de la experiencia Washington: Banco Internacional de Reconstrucción y Fomento, 1995. 115 p. (El Desarrollo En La Práctica).
O MANIFESTO DA UNIVERSIDADE NOVA(ou A mania da imitação e a História se repete por aqui...) Autores por ordem alfabética do primeiro nome: Abraham Zakon (EQ), Leandro Nogueira (EEFD), Luís Paulo Vieira Braga (IM), Luiz Eduardo Carvalho (FF). Jornal da ADUFRJ, Ano X, no. 528, pag.10. http://observatoriodauniversidade.blogspot.com/
(3) Omitido o nome do curso.
GRADUAR OU DIPLOMAR? Autores por ordem alfabética do primeiro nome: Abraham Zakon (EQ),José Henrique Erthal Sanglard (EP), Leandro Nogueira Filho (EEFD), Luís Paulo Vieira Braga (IM), Luiz Eduardo Carvalho (FF), Maria Aparecida da Silva (FL). Jornal da ADUFRJ, Ano X, no. 532, pag.8 http://observatoriodauniversidade.blogspot.com/
(5) Nem Nova, Nem Aberta. Luis Paulo Vieira Braga (IM), http://oglobo.globo.com/opiniao/
domingo, 6 de maio de 2007
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