terça-feira, 1 de maio de 2007

Ensino Superior ou Escolões do Terceiro Grau?

Leandro Nogueira*

O que parecia ser apenas uma opinião fortuita, completamente apartada do rigor acadêmico, ao que tudo indica, aproxima-se em verdade de uma tese desconcertante.
Baseado no bordão pessoal de que “o Brasil é muito bom para formar poucas pessoas e muito ruim para formar muitas pessoas”(Jornal da UFRJ, 08/2006) , o ex-reitor da UFRJ e atual Secretário Estadual de Educação, Nelson Maculan, em entrevista com estudantes do ensino médio promovida pelo jornal O Globo (Megazine, 30/01/2007), reiterou a sua defesa de que as aulas no ensino superior devem ser dadas para turmas com mais de 350 alunos.
Para fundamentar a sua “teoria pedagógica” em favor desses autênticos comícios universitários, Maculan lembrou sua passagem como professor visitante no Politécnico de Milão, na Itália, em 2002 e 2003, quando lecionou para 350 alunos, além de volver ao seu passado em 1966, então como estudante na França, ocasião na qual assistiu aulas em turmas com mais de 500 alunos.
Pretendendo ainda adicionar um verniz de irrefutabilidade à sua conclusão, o conhecido acadêmico comentou que em Milão reprovou menos do que nos cursos de Cálculo da UFRJ (sic); que o Prêmio Nobel de Física, Carlos Rubia, também dava aulas para turmas massificadas, e que na França, o professor de sua megaturma nos anos 60, havia sido ninguém menos que Laurent Schwartz, estudioso detentor da Medalha Fields, laurel equivalente ao Nobel de Matemática.
No bate-papo com a garotada do ensino médio, o ex-reitor da UFRJ reclamou que no Brasil, as turmas do ensino superior com 50 alunos são consideradas antididáticas, para em seguida informar aos estudantes, que as Universidades de Buenos Aires e do México, contam respectivamente com 300 e 280 mil alunos, cada qual. Embora tendo feito a ressalva de que apenas 17% dos alunos se formavam naquelas instituições, Maculan comentou em seguida, que “para deixar entrar todo mundo, tem que dar condições para o estudante se manter no curso”.
Noves fora as menções à sua própria experiiência pessoal e aos premiados Rubia e Schwartz, o que per se não servem em absoluto como atestado de excelência na educação universitária, parece altamente questionável na tese de Maculan, a sobrevivência do ensino superior de alta qualidade, no contexto de instituiçôes superlotadas de alunos, em meio a turmas dramaticamente massificadas.
Pode-se especular em contrapartida, que nesses caóticos ambientes universitários, ainda assim, alguma aprendizagem significativa talvez sobreviva, não obstante o arremesso de conteúdos acadêmicos contra os estudantes, em sua maioria, destituídos das necessárias condições materiais para persistirem com seus estudos. Nesse caso entretanto, os poucos alunos que lograssem êxito, seriam os sobreviventes de um sistema, no mínimo claramente equivocado, autêntico simulacro da democratização da ensino superior de qualidade.
Outrossim, a assertiva de que o Brasil seja muito bom para formar poucos e muito ruim para formar muitos, não parece ser das mais felizes. Nesse terreno, a liderança dos Estados Unidos é praticamente incontestável.
Com efeito, a Ivy League, o conjunto ultraelitista formado pelas oito principais e mais antigas universidades norte-americanas (Brown, Columbia, Cornell, Dartmouth College, Harvard, Pensilvânia, Princeton e Yale), que compreende o círculo de excelência formador da maior parte dos líderes da nação estadunidense, opera com reduzidíssimo número de estudantes, considerados os padrões defendidos pelo ex-reitor da UFRJ. São principalmente dedicadas à pós-graduação, altamente dotadas do ponto de vista financeiro, inclusive com expressivo aporte de verbas públicas (de fazer inveja às universidades estaduais paulistas), muito embora, e curiosamnte, sejam reconhecidas como instituições privadas.
Harvard e Yale por exemplo, as duas maiores da Ivy League, têm matriculados juntas, menos de 33.000 estudantes, número bem abaixo dos quase 44.000 alunos da UFRJ, a maior universidade federal do Brasil. Ambas contam com orçamentos que somam quase US$ 4.5 bilhões, amparados por fundos que totalizaram em 2006, cerca de US$ 47 bilhões. São números tão expressivos, que superam largamente todo o orçamento desttinado ao conjunto das IFES nacionais.
De acordo com o próprio Maculan, que foi também Secretário de Ensino Superior do MEC, em 2006, sem a folha de pessoal, o orçamento das instituições federais de ensino superior brasileiras, somou cerca de R$ 1,2 bilhão. No caso da UFRJ, o orçamento de 2006 foi inferior a R$ 100 milhôes, para o custeio das despesas fixas e gastos com manutenção.
Considerando a significância desses dados, parece legítimo inferir que o ensino superior de qualidade não parece caminhar de mãos dadas com campi superlotados, turmas massificadas, instituições depauperadas e alunos desprovidos das necessárias condições materiais para a permanência pessoal em seus cursos .
Harvard, por exemplo, a mais antiga instituição da Ivy League, foi eleita em 2006 e pela terceira vez consecutiva, como a melhor universidade do mundo, de acordo com a lista das cem melhores instituições de ensino superior, elaborada pela publicação britânica “The Times Higher Education Supplement”, considerado o ranking acadêmico mais prestigiado do mundo.
Além de um orçamento de US$ 2.8 bilhões, suportado por um fundo de US$ 29.2 bilhões., os dados da renomada universidade americana registram as matrículas de apenas 19.714 estudantes (6613 na Graduação; 33,54%), orientados por 2.497 docentes, o que perfaz uma relação aluno-professor de 1: 7,89 , considerados todos os estudantes, e 1: 2, 64, levando-se em conta apenas os alunos dos cursos de graduação.
No debate sobre democratização e excelência do ensino superior no Brasil, torna-se então necessário discutir, quais seriam entre outras, as medidas mais adequadas do ponto de vista acadêmico, quanto ao número de estudantes, professores e a correspondente dotação orçamentária, num contexto que remeta às possibilidades concretas da economia , com o olhar sempre atento às principais demandas da sociedade.
As jovens universidades públicas brasileiras, têm dado demonstrações históricas de que podem representar em conjunto, a melhor opção resultante desse debate, quer sejam observados os seus principais números envolvendo estudantes e professores, e principalmente, se puderem ser aquilatadas judiciosamnte., a sua inegável contribuição ao desenvolvimento do país, não obstante o inaceitável contingenciamento dos recursos necessários ao seu custeio.
Sem base acadêmica rigorosamente sustentável, pululam no Brasil opiniões pessoais, projetos privatizantes de reestruturação do ensino superior e até mesmo a proposta de uma Universidade Nova, que visa graduar, sem formar os seus estudantes.
Em comum, essas formações discursivas também se declaram profundamente comprometidas com a excelência e a democratização do ensino superior.
Não obstante, o nível superficial desses discursos não parece combinar com seu nível mais profundo, já que suas proposições ofertam não mais do que a concretização de obscuridades, muitas delas próximas de nos remeter ao retrocesso dos escolões do terceiro grau.

*Professor EEFD

Um comentário:

Luis Paulo disse...

É sempre a mesma estória, na hora de retirar benefícios e aumentar encargos, os nossos dirigentes sacam indicadores de páises desenvolvidos para validar seus argumentos. Mas, sempre omitem outros indicadores que desmentiriam suas teses. É uma vergonha, um ex-reitor da Universidade do Brasil, fazer tábua rasa de sua instituição - a UFRJ. Aonde estão os auditórios com sistemas de som e vídeo? Aonde estão as grandes bibliotecas com acervos e salas de estudo de dimensoes compativeis com grandes massas de alunos?