Roberto Leher (FEUFRJ)
O Decreto 6069/07 (REUNI) não deixa margem a dúvidas: é um contrato de gestão entre as IFES e o MEC objetivando a “reestruturação” das universidades federais como condição para a sua “expansão”. Em função de seu alcance e profundidade, ao ser examinado pelo Conselho Universitário, em sessão de 26 de abril do corrente ano, o Conselho deliberou a:
Discussão sobre o Plano de Desenvolvimento da Educação. Após ampla discussão, o Conselho Universitário resolveu: a) Constituir Comissão, composta de 5 (cinco) membros do CONSUNI, 5 (cinco) membros do CEPG, 5 (cinco) membros do CEG e 3 (três) indicados pela Reitoria, para análise da proposta de Plano de Desenvolvimento da Educação e organizar o processo de discussão no âmbito da UFRJ. (Boletim, 10, 10 de maio de 2007).
O encaminhamento proposto pelo CONSUNI foi correto e coerente com os procedimentos acadêmicos, tendo em vista a complexidade da matéria e, sobretudo, as profundas implicações do PDE para as atividades de ensino e, mais amplamente, para toda a vida universitária no país.
Nos mesmos moldes dos contratos de gestão do Plano Diretor da Reforma do Estado, o REUNI contém metas a serem atingidas como contrapartida aos possíveis recursos do MEC, como a quase duplicação do número de estudantes de graduação e a drástica redução da evasão – metas de expansão que, em abstrato deveriam ser celebradas por todos os que defendemos a criação de condições para que a educação superior universitária possa ser garantida a todos os estudantes que desejem prosseguir seus estudos, em particular os provenientes das classes trabalhadoras.
A questão de fundo que indubitavelmente seria constatada pela Comissão é que o MEC, por meio de seu projeto denominado Universidade Nova, pretende promover essa ampliação de vagas por meio de cursos aligeirados, expresso em uma graduação minimalista nos moldes dos “community colleges” estadunidenses e do processo de Bolonha, promovido pela União Européia, situação que desarticularia todo sistema de formação da UFRJ que, a despeito de suas insuficiências, ainda assegura elevada qualidade de formação aos seus estudantes. E, como se não bastasse, a graduação minimalista será o ponto final da trajetória “(semi) universitária” da grande maioria dos estudantes, caso o MEC não repasse para as IFES recursos substanciais. Como o Decreto do MEC permite antever que esses recursos serão muito pequenos, situação confirmada pelo Programa de Aceleração do Crescimento, como pode ser visto a seguir, a UFRJ estará legitimando a exclusão da grande maioria dos estudantes de uma graduação plena, verdadeira, capaz de assegurar uma formação profissional.
Seguramente a Comissão constataria que os recursos previstos pelo governo Federal (Decreto 6069/07) para essa “reestruturação” e expansão: “até 20% do equivalente ao orçamento de cada IFES, exclusive o custo da folha de aposentados e pensionistas” são demasiadamente reduzidos, impedindo a expansão de fato universitária (daí a fórmula da graduação minimalista da Universidade Nova). Considerando o orçamento médio do MEC para as IFES (2003-2006), isso significaria cerca de R$ 1,2 bilhões para todas as 53 Universidades Federais. Apenas para indicar a ordem de grandeza desse montante, caso cada uma das universidades federais recebesse o mesmo montante, teríamos algo como R$ 22 milhões ao ano para cada instituição. Certamente, a Comissão constataria que os recursos previstos não permitiriam cumprir as metas mantendo o imprescindível padrão de qualidade que a UFRJ tem assegurado em seus cursos, lembrando que com estes recursos as universidades terão de custear a infra-estrutura e as novas contratações de docentes (Dec. 6069/07, Art.3, inciso III). Dificilmente passaria despercebido da Comissão que, a rigor, o MEC sequer assegura o montante de até 20%: “o atendimento do Plano de cada IFES é condicionado à capacidade orçamentária e operacional do MEC” (Dec. 6069/07, Art.3, §3o).
Quando a Portaria nomeando a Comissão foi editada, em 02 de maio de 2007, as suas atribuições foram substantivamente ampliadas:
O Reitor (...) Resolve nomear Comissão para avaliar o PLANO DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO - PDE, e propor diretrizes para as ações a serem encaminhadas pela UFRJ (...) (Portaria nº 1345, de 02 de maio de 2007)
A Portaria deixou abertas duas possibilidades:
(1) que a Comissão iria elaborar um grande diagnóstico das insuficiências da UFRJ, objetivando desenvolver, autonomamente, um esboço de ações para ampliar, de fato, o acesso da juventude à UFRJ (e nesse escopo a UFRJ avaliaria o REUNI) e
(2) o que seria surpreendente, a elaboração de diretrizes que assimilam o REUNI como um dado, um pressuposto.
Por que a última alternativa seria surpreendente? Porque, claramente, o CONSUNI não deliberou por este posicionamento (vide a ata no Boletim n. 10 supracitada) e, também, porque o debate não foi realizado pela UFRJ com a profundidade necessária e, a bem da verdade, a Comissão não pôde examinar as conseqüências da “reestruturação da UFRJ” vis-à-vis ao REUNI e tampouco pôde organizar o debate internamente, como seria sua legítima atribuição.
A alternativa mais preocupante se confirmou. Apenas uma semana mais tarde, em 11 de maio, a Presidente da mencionada Comissão enviou uma carta aos Diretores, Decanos e Pró-reitores, estabelecendo:
Instruções para preparação e encaminhamento de seus projetos e iniciativas, que subsidiem a elaboração da proposta da UFRJ. O plano de reestruturação da UFRJ, a ser submetido ao MEC, deverá estar em conformidade com diretrizes e regras estabelecidas pelo Decreto citado, que cria o Programa REUNI.
Independente de aspectos pontuais contidos na Carta, muitos deles meritórios, o busílis da questão é a incorporação do REUNI como um fato consumado, criando a falsa impressão de que um consenso foi forjado na UFRJ. A partir desse fato, as unidades, premidas pelas orientações da administração e pelo estrangulamento financeiro, estão se vendo constrangidas a apresentar, a toque de caixa (menos de duas semanas) os seus projetos, temendo ainda maior restrição financeira. Essa é a perversidade do contrato de gestão: como o governo impõe, unilateralmente, as suas metas no projeto Universidade Nova como condição para liberação de recursos, as instituições acabam vitimadas pela chantagem econômica e, assim, a discussão acadêmica sobre o significado do Decreto 6069/07 é completamente descartada, como se a criação da graduação minimalista, a contratação de professores com recursos próprios, mas não garantidos, fossem assuntos burocráticos e irrelevantes. “(...) serão recomendadas prioritariamente pela Comissão aquelas que apresentem clara articulação entre diferentes unidades e entre as diretrizes, objetivos e metas estabelecidas no REUNI.”
O que fazer?
O artigo 207 da Constituição Federal é uma norma bastante em si que assegura a autonomia universitária. Compete ao Conselho Universitário zelar por esse preceito, exigindo que o MEC não imponha nenhuma chantagem econômica sobre a instituição e, nesse sentido, poderia questionar os termos do Decreto 6069/07, como tem feito ao longo de sua história sempre que existe uma medida governamental que desrespeita a autonomia. A rigor, foi esse o gesto do Conselho superior da UFRJ quando corretamente deliberou pela análise e discussão do REUNI.
Certamente, se o CONSUNI reavaliar a cadeia de acontecimentos que levou a exigência de que as unidades se ajustem aos imperativos da Universidade Nova/ REUNI até o próximo dia 25 de maio, constatará que o tempo foi tão acelerado que o debate não pôde acontecer.
O mais sensato parece ser retornar a deliberação original de 26 de abril, de modo que a Comissão avalie e organize o debate sobre o REUNI na UFRJ. É crucial também que as Congregações não deixem de se pronunciar sobre a necessidade de que a completa reestruturação da UFRJ seja ampla e democraticamente discutida em todos os âmbitos da UFRJ, com base em um calendário que assegure o debate. Os recursos, como visto, modestos, não podem servir de moeda de troca à completa descaracterização de todo o patrimônio científico, tecnológico, artístico e cultural edificado pela UFRJ que esperamos possa ser destinado a muitos, mas com a qualidade da UFRJ e não com um padrão minimalista.
Contraditoriamente, a resistência ativa ao Decreto pode contribuir para que a UFRJ elabore a sua agenda de expansão do acesso ao ensino universitário com qualidade, notadamente por meio de forte ampliação dos cursos noturnos e da adoção de medidas que promovam a articulação da instituição com a educação básica pública, apresentando o que a instituição considera necessário em termos de pessoal e de infra-estrutura para o atendimento das metas previstas em seu plano de expansão autonomamente estabelecido pelos seus colegiados a partir de um amplo debate em que todos os que fazem a universidade pública sejam protagonistas.
Rio de Janeiro, 20 de maio de 2007
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