sábado, 16 de junho de 2007

As causas erradas ou (esquecidas) de Míriam Leitão


As causas erradas ou (esquecidas) de Míriam Leitão
A propósito de seu artigo no Jornal O Globo de 15de Junho de 2007

Já vão bem longe os anos de graduação, na pública Universidade de Brasília, da jornalista Míriam Leitão, mais distante ainda os motivos que a levaram a prisão pelos militares, embora para muitos os motivos continuem os mesmos. Ou não foi a mesma jornalista que em outra matéria criticou a persistência no país do trabalho escravo, usando o eufemismo da servidão pela dívida ? De quem é a culpa do atraso, daquele que o provoca, ou de quem o sente ? Seriam, por acaso, os migrantes sem carteira que desfalecem nos canaviais, culpados por morrerem, revelando a perversidade das relações de trabalho ? São as jurássicas entidades partidárias denunciadas pela autora um acidente histórico, ou um produto da história real e atual do país ?

A economista, entretanto, em algumas teses se iguala àquelas praticadas pelos fantasmas que a assombram, como por exemplo – a negação da legitimidade do acesso dos filhos das famílias de classe média ao ensino superior público e gratuito. Tese que tem a sua origem no manual de reformas para o ensino superior na América Latina elaborado pelo Banco Mundial em 1995(1). Mas as semelhanças terminam por aí, pois enquanto a economista apóia um sistema que continua assegurando privilégios a uns em detrimento de outros, os utopistas perseguem a sociedade ideal, do seu ponto de vista é claro. O paradigma da Universidade Nova que o MEC quer implantar pela força da via financeira, entoa o mesmo refrão – a universidade pública deve ser para os filhos das famílias pobres. Por esse motivo elas devem dobrar o seu quantitativo de alunos e garantir 90% de formandos (leia-se de aprovação, pois para o receber o diploma o aluno necessariamente precisa ser aprovado)(2). Ora não é preciso ser nenhum vidente para entender que o REUNI significará a massificação da rede de Instituições Federais de Ensino Superior, levando à formação de bacharéis de segunda linha, pois, ao contrário do que afirma a missivista, a situação orçamentária das universidades públicas não é boa porque a situação orçamentária do ensino fundamental é ruim. Ambas são ruins !

Economistas são especialistas em índices, dentre outras qualidades, e os manipulam com uma velocidade e facilidade impressionante, por exemplo, ao afirmar, em seu artigo, que em São Paulo gastam-se absurdos R$ 38.000,00 por ano, por aluno universitário, fica a dúvida de como esta conta foi feita. Tomando-se o orçamento da USP para 2005(3) que foi de R$ 1.958.976.296,00 e dividindo-se pelo número de 84.158(4) alunos inscritos, obtém-se os absurdos R$ 23.277,36, um número significativamente abaixo da média indicada anteriormente – e estamos falando da mais rica das três universidades. Acrescente-se ainda o fato de que o aluno de gradução – pivot da atual crise, não é o único beneficiário do orçamento, divide-o com os alunos de pós e de outras categorias, com os docentes, funcionários e todas as demais atividades que as IFES desenvolvem. A conta portanto poderia servir para uma instituição que só se dedicasse ao ensino de graduação e a mais nenhuma outra atividade – como a maioria das faculdades particulares - para aonde a economista e os companheiros da base aliada parecem estar querendo mandar os filhos da classe média, por motivos diferentes, diga-se de passagem. Em continuação à dança com números, agora a nível federal, a farra do orçamento das federais, segundo a ex-estudante da UnB, atinge os absurdos R$ 12 bilhões anuais para apenas 55 universidades! Entretanto, se não tivesse parado a contagem no número de universidades, virando a página do número de alunos encontraria a cifra de 1.129.189 matriculados(5), obtendo R$ 9.573,94, um número bem mais próximo do que gasta o Estado de São Paulo com seus alunos no ensino fundamental (segundo a jornalista) e bem mais longe do que gasta com o aluno de curso superior. Talvez com alguns artigos a mais a jornalista logre o nivelamento para baixo das despesas per capita com os estudantes brasileiros. Precisamos inventar um prêmio para esse feito.

O que tem Miriam Leitão em comum com o pessoal da base aliada do atual governo ? Por quê ambos rezam pela mesma cartilha, no caso da educação ? Ao governo interessa oferecer aos segmentos mais empobrecidos a opção de ensino superior, mesmo que não seja de qualidade, dado que as verbas precisariam ser multiplicadas por muitos São Paulos para atingir o montante necessário a tal objetivo. Aos empresários do ensino superior interessam alunos que possam pagar, e que dada a origem social se adaptariam mais facilmente a um empreendimento privado do que os bolsistas do PROUNI. Ao Banco Mundial interessa o desmonte do que resta de produção de conhecimento autóctone, seja nas ciências exatas ou sociais, tendo em vista o projeto de globalização econômica, social e cultural ao qual serve. Ficam portanto contentes os trabalhistas locais acreditando que estão acumulando ganhos, ao promoverem a inclusão das massas no ensino superior, os empresários pelos futuros e promissores negócios com a clientela ampliada e o Banco Mundial pela implantação de mais uma receita em prol da ordem mundial capitalista.

(1) La Enseñanza Superior — Las lecciones derivadas de la experiencia (primeira edicao em ingles 1994, primeira em espanhol 1995) Introcucción por Armeane M. Choski, Vicepresidente, Perfeccionamiento de Recursos Humanos y Políticas de Operaciones, Banco Mundial " La aplicacion de estas reformas no sera tarea facil en ningun pais. Las caracteristicas predominantes de la ensenanza publica de nivel terciario en el mundo en desarrollo benefician principalmente a las unidades familiares mas prosperas que son tambien las que detentan mayor poder politico. Los hijos de las familias acomodadas estan considerablemente subvencionados por el resto de la sociedad para asistir universidades publicas, lo que refuerza sus ventajas economicas y sociales. La experiencia demuestra que es fundamental romper este esquema, y tambien que no debe subestimar la dificultad politica de hacerlo. En los paises cuyos sistemas de gobierno son debiles, los estudiantes resentidos - y los habra si se reducem los subsidios y los privilegios - pueden representar uma amenaza a la estabilidad politica. En consequencia, los gobiernos deben proceder com mucha cautela al implantar reformas que tal vez afecten a las familias mas poderosas que puedem desestabilizar los regimenes politicos."

(2) Os parágrafos 1o e 2o do Artigo 1o do decreto 6.096 que implantam o REUNI estipulam:
§ 1o O Programa tem como meta global a elevação gradual da taxa de conclusão média dos cursos de graduação presenciais para noventa por cento e da relação de alunos de graduação em cursos presenciais por professor para dezoito, ao final de cinco anos, a contar do início de cada plano.§ 2o O Ministério da Educação estabelecerá os parâmetros de cálculo dos indicadores que compõem a meta referida no § 1o.

(3) Fonte de dados orçamentários – Anuário Estatístico da USP (base 2005) Tabela 7.02, http://sistemas.usp.br/anuario/info_orcamento.htm

(4)Fonte de número de alunos – Anuários Estatístico da USP (base 2005) Tabela 2.18 , http://sistemas.usp.br/anuario/info_demo.htm

(5) Alunos inscritos em IFES em 2005 http://sinaes.inep.gov.br/sinaes/

Um comentário:

Leandro Nogueira disse...

Uma réplica precisa com referência ao artigo da colunista de O Globo, a qual insiste -sem a menor autoridade para tal-em vaticinar como privilégio, o direito de todos os estudantes brasileiros ao ensino superior público, gratuito e de qualidade socialmente referenciada.
Apenas uma pergunta: essa réplica foi enviada para o e-mail da colunista?