sábado, 23 de junho de 2007

A invasão da Reitoria pelo REUNI




Um processo de reformulação acadêmica invadiu nossas agendas há três semanas. Essa invasão tem um só motivo: a promulgação do decreto 6.096, que instituiu o REUNI para reestruturar as Universidades Federais. Com efeitos negativos imediatos — maior carga de trabalho, menor qualificação do corpo docente e massificação do corpo discente. Esse decreto abre espaço para os projetos de implantação da "Universidade Nova" e dos Bacharelados Interdisciplinares, de acordo com as regras de gestão financeira da educação superior traçada pelo governo e seus credores internacionais.

As metas governamentais para o REUNI vão muito além da questão da evasão e do aumento de vagas. Quem nos esclarece a esse respeito é o próprio Reitor da UFRJ. Ao final da primeira sessão pública com a Comissão encarregada da avaliação do PDE (Plano de Desenvolvimento da Educação), realizada em 18 de junho, Aloísio Teixeira deixou clara a intenção de se planejar, igualmente, a preparação para um mercado de trabalho desregulamentado e a universalização do ensino superior. Ainda segundo o Reitor, para se atingir essas metas na UFRJ e no Brasil é necessário vencer um duplo desafio: 1º - interno, contra a estrutura departamental; 2º - externo, contra os conselhos profissionais. Portanto, não se trata apenas de propor um ciclo básico aqui e um bacharelado interdisciplinar acolá, como foram os casos, respectivos, da Escola de Engenharia e do Centro de Ciências Matemáticas e da Natureza. O ciclo básico tornar-se-á um Bacharelado Interdisciplinar, e o Bacharelado Interdisciplinar tornar-se-á um ciclo básico. As constantes intervenções dos membros da Comissão, durante as apresentações dos projetos das unidades, e a do Reitor, ao final das mesmas, não deixam dúvidas de que todos os projetos apresentados deverão ser integrados em uma só proposta que reflita a essência do decreto presidencial.

Sem muito espaço para debate sobre a filosofia do decreto — o que contraria, uma vez mais, as atribuições iniciais da Comissão de avaliação do PDE —, os encontros com a comunidade acadêmica limitam-se a uma mera sucessão de apresentações de projetos, entre os quais dois tipos se destacam: aqueles que encarnam a filosofia da Universidade Nova, não raro assinados por integrantes da própria Comissão que irá julgá-los, o que gera, no mínimo, um problema ético; os que, por senso de oportunidade, foram reformatados para concorrer às supostas verbas adicionais. Muitos projetos de interiorização da UFRJ também foram apresentados: pólos em Macaé, além de estudos de outros projetos em Itaperuna, Região Serrana, Cabo Frio e Angra dos Reis, o que constitui uma novidade em relação ao PDI da UFRJ, discutido ano passado nas Unidades, mas ainda não aprovado no CONSUNI. Cada proposta, seja ela nova, ou de renovação, vem sendo acompanhada de extenso pedido de recursos diversos, elevando o orçamento final necessário para muito além do teto de 20% adicionais previstos no decreto. Essa tendência levanta dúvidas sobre a viabilidade financeira desses projetos sem que se ponham em risco as premissas de qualidade defendidas por todos os professores, apresentadores ou comissários.

Tanto empenho na implantação do REUNI por parte da administração superior da Universidade, do MEC e do governo federal sugere que os objetivos não se esgotam nas metas consensuais de redução da evasão e aumento de vagas. Até porque, se fossem metas de longo prazo, as IFES não teriam sido deixadas no estado de penúria em que se encontram. Testemunhamos processo semelhante na administração de algumas estatais no governo FHC, que foram sucateadas para depois serem vendidas a preço vil. Obviamente não se trata, aqui, de vender as IFES, mas de colocá-las a serviço da nova ordem econômica nacional que é a integração à economia globalizada, sob o domínio das grandes corporações. A invasão "recriadora" da UFRJ não é um processo apenas atual, vem ocorrendo paulatinamente. E um marco do sucesso desse processo foi a separação entre ensino e pesquisa, intensificada também a partir do governo FHC, que acelerou a clivagem entre professores e pesquisadores na universidade. A estratégia para lograr êxito nesse processo foi o " Paradigma de Financiamento da Pesquisa", através de bolsas de produtividade e editais, que colocou boa parte da comunidade de pesquisadores a mercê do governo central, seja ele do PSDB, ou do PT.


A introdução do projeto da Universidade Nova, pela atual administração da UFRJ sob o pretexto de combater a burocracia departamental e os conselhos profissionais, se faz às pressas, sem uma ampla participação do corpo docente (a categoria de professor associado está privada de representação em todos os colegiados), discente (que provocou um veemente protesto na reunião do CONSUNI do dia 14 de junho) e técnico-administrativo (voltado para a campanha salarial e em greve de evasão). No plano externo, transfere para o mercado de trabalho a prerrogativa de definir como devem ser os graduados profissionais, sob o pretexto de que “os conselhos profissionais se tornaram meros cartórios” ao invés de cerrar fileiras com aqueles que entendem que os conselhos devem ser órgãos de defesa do exercício profissional, da Sociedade e do Meio Ambiente.

Os hospitais públicos e o ensino médio público são lições sábias, ostensivas e gritantes. Mas o "Projeto" prossegue acelerado, com o apoio de importantes segmentos de docentes, discentes e técnicos. E´ intrigante que essas lideranças pareçam acreditar que bastará a inserção dos filhos das famílias pobres, mesmo que em um ensino superior de qualidade reduzida, para assegurar uma revolução no ensino brasileiro.

Intriga, também, que essas lideranças favoreçam um projeto que vê, no instável e indefinido mercado global, o norte para a política de formação de quadros de nível superior, ao invés de se voltar, prioritariamente, para o mercado interno, antiga bandeira da oposição democrática ao lema – exportar é o que importa, do ex-czar da economia , Delfim Neto, hoje aliado do governo de Lula. Daqueles tempos os atuais operadores do REUNI na UFRJ só conservaram o fervor nos ataques a seus críticos, dentre eles, aliados fraternos de outrora.

A busca de soluções para os problemas estruturais e conjunturais das universidades públicas deve ser feita de forma mais democrática e sustentável, antídoto contra a febre de planos efêmeros ou danosos. Os estudantes já sinalizaram a necessidade de mais discussões e, recentemente, foi proposta a realização de um Congresso Interno da UFRJ durante o qual as aulas seriam interrompidas para que toda a comunidade pudesse debater a reestruturação acadêmica da universidade.

Observatório da Universidade é um blog mantido pelos professores Abraham Zakon(EQ), José Henrique Sanglard(EP), Leandro Nogueira Filho(EEFD), Luis Paulo Vieira Braga(IM,administrador), Luiz Eduardo Carvalho(FF), Maria Silva(FL).
José Henrique e Maria Silva participaram como revisores.

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