quarta-feira, 6 de junho de 2007

Fahrenheit 6096


Fahrenheit 6096
A Temperatura que a Universidade Queima
( O debate na Faculdade de Letras no dia 6 de junho)

Fahrenheit 451 é o título de um livro de Ray Bradbury que inspirou o diretor François Truffaut a rodar um filme homônimo. A estória se passa em um futuro não muito distante, onde uma sociedade totalitária é controlada pela "Família". As pessoas que vivem nessa sociedade são educadas a desempenharem certas funções sociais, sem se questionar muito sobre o que estão de fato realizando. O sucesso deste estado de obediência e paz social deve-se, especialmente, ao cuidado com a educação. Nas escolas, as crianças aprendem a não ler e que livros são para se queimar. O papel queima a 451 graus Fahrenheit (233 graus Celsius).

A Universidade de São Paulo começou a queimar a 51.471 graus Fahrenheit, quando a 1o de Janeiro, o governador do estado de São Paulo, José Serra (PSDB) promulgou o decreto 51.471, o primeiro de uma série que reformulava em profundidade a gestão das universidades estaduais paulistas, retirando sua autonomia. No Rio de Janeiro, as Escolas Municipais começaram a queimar a 946 oF , quando o Prefeito Cesar Maia (DEM) editou a resolução 946, de 25 de Abril de 2007, extinguindo o grau reprobatório no ensino fundamental. A Universidade Federal do Rio de Janeiro, entretanto, não começou a queimar a 6096 oF quando o decreto 6096 do Presidente da República, Lula (PT), promulgado a 24 de Abril, retirou-lhe a autonomia, ao intervir no seu direito de avaliar seus alunos e dispor sobre o seu número adequado, impondo no § 1o do artigo 1o - O Programa tem como meta global a elevação gradual da taxa de conclusão média dos cursos presenciais para noventa por cento e da relação de alunos de graduação em cursos presenciais por professor para dezoito, ao final de cinco anos, a contar do início de cada plano.
Tampouco incendiou-se quando uma resolução aprovada pelo seu Conselho Universitário (Boletim da UFRJ,10,10 de maio de 2007) foi extrapolada por Portaria do Reitor (Portaria 1345, de 2 de Maio de 2007), que transformou o papel da egrégia comissão constituída por membros dos Colegiados Superiores de – organizar o processo de discussão no âmbito da UFRJ – em - propor diretrizes para as ações a serem encaminhadas pela UFRJ. O que não pareceu satisfazer a citada Comissão, que de propor diretrizes, passou a propor projetos, como o Bacharelado em Ciências da Natureza e Matemática (BCNM), assinado e encaminhado por, nada mais, nada menos, que o Presidente da Comissão. A não observância da Resolução 2/2003 do Conselho de Ensino de Graduação (CEG), que rege a proposição de projetos pedagógicos e cursos novos, não foi justificada até o presente momento.

De uma forma bem primária, pode-se dizer que só há combustão, quando há fogo, matéria inflamável e ar. Metaforicamente o ar pode representar as liberdades democráticas (contra as quais há inúmeras formas de se conspirar, como, por exemplo, através da perseguição administrativa), o fogo - os núcleos partidários, de opinião, de interesse, etc ( que alguns querem nos fazer crer que no seu reinado não existirão) E a matéria – a comunidade de professores, alunos e funcionários. Diante da habitual falta de arrebatamento do povo da UFRJ, que há cerca de três meses brindou as eleições para Reitor com pífios 15% de comparecimento, a despeito da intensa propaganda e da pressão de dirigentes sobre seus subordinados, não foi exatamente uma surpresa constatar a presença de pouco mais de 20 docentes no debate organizado pela ADUFRJ, a 6 de Junho, na Faculdade de Letras – fato que não passou desapercebido pela presidente da comissão da Reitoria, que registrou-o em sua intervenção final. Digna de nota a presença de um contingente de cerca de cinqüenta alunos da frente contra a reforma universitária, além de alguns funcionários.

A primeira intervenção foi da Presidente da Comissão instalada pelo CONSUNI-Reitor, professora Ângela Rocha, que historiou o andamento dos procedimentos desde a promulgação do decreto do REUNI, e prestou algumas informações novas, assim como relativizou o compromisso com algumas metas do programa, como, por exemplo, a questão da evasão, sem indicar , entretanto, se o governo vai fazer alguma alteração . Portanto, continua valendo o que está escrito. Os prazos subseqüentes para a apresentação dos projetos que foram recolhidos na UFRJ serão: Julho, quando deverá chegar ao MEC uma pré-proposta; Setembro, quando a proposta final deverá ser apresentada. Uma Comissão Nacional do MEC vai divulgar em tempo hábil as diretrizes para a apresentação dos projetos finais e fazer posteriormente a sua avaliação (nota minha: em conversas de bastidores comenta-se que um dos membros dessa comissão é o prof. Davidovitch do Instituto de Física da UFRJ e diretor da Academia Brasileira de Ciências). Antes da consolidação das pré-propostas, segundo a professora Rocha, haverá uma apresentação pública de todas as propostas enviadas à Comissão, dentre elas – novos cursos em Macaé, pólos avançados da UFRJ no Estado do Rio de Janeiro, Colégio Técnico na Ilha do Fundão, Formação de Especialistas em Docência para deficientes auditivos, etc...Dentre todas as unidades da UFRJ, apenas cinco não aderiram ao REUNI – Odontologia, Letras, Arquitetura e Urbanismo, Psicologia e Música. A professora Rocha acrescentou também que o MEC aceitou uma alteração no Banco de Professores Equivalentes, permitindo a conversão de substituto em professor 40 horas, abrindo assim a possibilidade de converter as vagas de cerca de 600 professores substitutos em vagas de concurso para professores permanentes. Porém, não foi concedido a DE, nem alterado o restante do quantitativo de vagas, que ficou congelado. A professora lembrou ainda que muitas das idéias do PDE e do REUNI foram discutidas a nível nacional, e estão presentes no Plano Nacional de Graduação de 2004, e também a nível da UFRJ, no PDI, tardiamente formulado no ano passado.

A intervenção seguinte foi da professora Cinda Gomes que iniciou sua exposição apontando para o problema da gradual perda da autonomia universitária. Destacou ainda alguns tópicos do artigo – Ensino Superior ou Escolões de Terceiro Grau, do professor Leandro Nogueira, publicado no Jornal da ADUFRJ (nota minha: e também no blog - http://observatoriodauniversidade.blogspot.com/), aonde é criticada a defesa de classes com centenas de alunos, como forma de educar as massas, a exemplo do que já se faz na Europa. Na verdade, segundo a professora, o modelo europeu é um modelo de universidade de pesquisa, ensino de qualidade, e extensão, indissociavelmente ligados. Os exemplos das universidades da ivy league americana também não apontam na direção do decreto 6096, são universidades estáveis, cujos orçamentos individuais igualam, em ordem de grandeza, aqueles de todas as IFES brasileiras juntas. Para a professora não foi mera coincidência o anúncio do REUNI juntamente com as iniciativas de se generalizar o ensino a distância na UFRJ, e a divulgação em paralelo do bom desempenho dos bolsistas do PROUNI (programa de bolsas para alunos cursarem as universidades privadas). Enquanto que nas Universidades Federais o caminho para mais verbas é a implantação controvertida e a toque de caixa de cursos ralos, as universidades privadas foram isentas de 800 milhões em arrecadação de impostos, e poderão ainda ser beneficiadas com o perdão de dívidas da ordem de 1 bilhão de reais ! Para ela, o problema da evasão não vai ser resolvido com novos cursos, que apenas transmitam informações e não conhecimento. O problema da evasão deveria ser verificado junto aos alunos, e se constataria que é o custo da alimentação, do transporte, do alojamento, ou seja , as causas econômicas constituem a razão principal da evasão. O professor Ronaldo Lins, Diretor da Faculdade de Letras, interveio na fase de debates, complementando a intervenção da professora Cinda, reiterando que a decisão da Faculdade de Letras não participar do REUNI foi uma decisão qualificada da Congregação, levando em conta que cabe à universidade decidir sobre quantos alunos quer ter, e que a idéia da expansão não é automaticamente aplicável, citando exemplos de universidades centenárias que mantém o mesmo quantitativo de alunos. Por outro lado defende a criação de um curso noturno na Letras, mas que seja de igual qualidade aos cursos diurnos.

O terceiro palestrante foi o professor Waldir Mendes Ramos, diretor da Escola de Educação Física e Desportos(EEFD), cuja escola teve um crescimento de 120% de vagas nos últimos doze anos sem que seu orçamento tenha sido elevado proporcionalmente. Não acredita na disponibilização dos recursos anunciados pelo governo em face da experiência anterior. Para ele há um contraste entre o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que congela vencimentos e o REUNI que aumenta encargos dos professores. Considera temerário os projetos de interiorização da UFRJ, pois não estão levando em conta as condições das regiões aonde vão se instalar, correndo o risco de receber um contingente de alunos das grandes cidades, em busca de vagas, deslocando, portanto, os potenciais beneficiários.

O representante dos alunos falou em seguida destacando a carência de programas de assistência estudantil. A perda de qualidade dos cursos, advinda da implantação de programas como o REUNI, faz parte da estratégia de submissão do país aos interesses do capital internacional que quer destinar ao Brasil um papel de fornecedor de matérias primas e recursos naturais. Exaltou ainda as lutas dos colegas das universidades paulistas, da universidade federal do Rio Grande do Sul, do Paraná e de Alagoas.

A última intervenção foi da Vice-diretora da ADUFRJ, professora Vera Salim, que fêz um longo e emocionado depoimento, reafirmando suas convicções nos princípios de defesa de uma universidade pública, gratuita e de qualidade. Princípios esses cultivados pela atual diretoria, pelo grupo de trabalho sobre educação e pelo sindicato nacional ANDES.

Seguiram-se perguntas das pessoas ainda presentes ao debate, destaco a pergunta da professora Maria Carlota Rosa, da Faculdade de Letras, que estranhou a quantidade de projetos de interiorização da UFRJ, pois não consta do PDI da UFRJ, aprovado no ano passado, nenhuma indicação de que esse procedimento seria prioritário. Manifestou ainda estranheza com o fato de haver uma remuneração extra para os professores envolvidos nesses projetos.

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